E os humildes também
E os humildes também
Li recentemente ,uma crônica muito bem escrita por sinal, de um autor que eu adoro que é o Arnaldo Jabor. Gosto do seu jeito sarcástico de criticar as coisas, do modo como ele administra as pequenas doses de veneno misturado ao humor que ele sabe fazer tão bem de cara feia. Mas nesta última que li, Os canalhas nos ensinam mais, deu-me uma vontade enorme de confrontar com ele. Concordo com tudo que ele disse sobre a podridão que se alastra nesse país, do esgoto a céu aberto em que se transformou a política suja que nos envergonham todos os dias, nas situações escabrosas do desvio de dinheiro público dando origem às riquezas que surgem da noite para o dia nas mãos de alguns vendilhões de favorecimento ilícito. Ele indiscutivelmente tem toda a razão do mundo para atirar pedras no poder que choca essa impunidade no ninho do governo. Porém, ele se esqueceu de uma coisa. Essa escola não nasceu agora. Infelizmente, nosso país sempre foi saqueado por aqueles que assumem o controle da administração pública; as viagens aos paraísos fiscais sempre foram o sonho de consumo daqueles que deveriam zelar pelo crescimento do nosso país, e no entanto escolhiam a política para garantir antes de mais nada, o seu enriquecimento na maior rapidez e dimensão possível.
Ainda convivemos com esses coronéis diplomados, com as heranças patriarcais que passam de geração a geração nos estados onde a política ainda se faz armada com sobrenomes autoritários, como os Sarneys, Magalhães, Suruagis, Jereissats e Malufs da vida, entre outros, articuladores de cabrestos eleitorais garantidos por esmolas redentoras da miséria em redutos de pobreza econômica e cultural, onde se proclamavam senhores pela imposição do medo e poder absoluto. Somem seus anos de governo, calculem o ganho de seus salários com a vida pública e comparem com suas riquezas espalhadas pelo Brasil afora. Jamais encontrarão um denominador comum e nem a explicação para a estrondosa valorização de seus bens patrimoniais. Isso, sem contar os bens em nome de terceiros, as remessas anônimas para o exterior e a vida de reis que nós, os palhaços, bancamos nos gabinetes luxuosos que ostentam no maior curral de impunidades que é Brasília.
Não foi há muito tempo que Fernando Collor de Melo se esbaldou com os lucros da presidência, enquanto solapava nossas suadas poupancinhas para fazer a festa no Planalto, onde sua digníssima primeira dama deitava e rolava com as verbas da falida LBA, oferecendo festas e chazinhos para as amigas. A imprensa mostrou seu apartamento nos Estados Unidos depois, com pias de mármore e torneiras de ouro, uma ostentação acintosa ao povo brasileiro que o derrubou do poder. No governo de Fernando Henrique, além de falcatruas, ainda tínhamos que baixar a cabeça diante de sua empáfia e soberba, sempre se julgando superior a todos pela sua notória garbosidade e sapiência de sociólogo, que nos atribuíam à condição de vagabundos ao questionar nosso direito de aposentadoria aos 60 anos, enquanto mantinha escondidinha a sua aos 38 anos, pelo simples fato de ter sido um exilado político em tempos da ditadura, uma fatalidade comum aos jovens idealistas de sua época, na qual muitos morreram ou foram torturados, que não foi o seu caso, mas lhe rendeu glórias na política, inquestionavelmente. Enfim, são tantas as histórias de dilapidação do nosso tesouro político, econômico, histórico, cultural e social, que uma crônica é pouco tempo demais para abordar. Isso para não se falar em saques de serviços públicos, como o rombo do INSS no século passado, das obras faraônicas que dissolviam o dinheiro público, das estradas que nos engoliam pelos buracos e poeira que solapavam as verbas antes que virassem asfalto e tantas outras, que a memória daqueles do meu tempo ainda guardam junto com as cicatrizes do desemprego, da injustiça na distribuição de renda, na falta de vagas nas escolas e na assistência à saúde e acesso à previdência social, onde o contrário era apenas privilégio dos mais ricos.
A política daqueles tempos era sempre voltada para as classes mais altas. Aos pobres havia o estigma das promessas, pois com elas se fazia a política do favorecimento e a continuidade do poder perpétuo. Com o Lula, as coisas mudaram um pouco. As promessas para os pobres de repente começaram a ser cumpridas. Como assistencialismo aos olhos de muitos, mas um assistencialismo que lhes permitiu um prato mais digno à mesa, uma moradia mais humana em bairros onde o saneamento básico de repente começou a aparecer. As cidades começaram a expulsar a miséria e de repente, os becos começaram a se transformar em ruas, com casas coloridas e pessoas que finalmente entenderam o significado de cidadania. Hoje tem pobre estudando medicina, entrando no mercado de trabalho de terno e gravata e não apenas de pé no chão e foice e enxada nas mãos. Hoje já não se fala em descamisados, lembram-se?
Muita coisa mudou depois do governo petista. Para quem tem dinheiro, não mudou muita coisa. Por isso criticam tanto, não viram mudança nenhuma. Mas para os pobres e miseráveis, a justiça social fez a primeira visita. Não foi um projeto pronto e acabado, foi apenas um começo.
E o Lula até hoje recebe o escárnio e o desprezo daqueles que ficaram na berlinda desse processo, tal qual os cegos que não querem ver, ou porque não usufruíram no seu governo benesses que talvez desfrutassem em outros, e de repente a fonte secou. Daí a amargura e mágoa. Podem falar tudo desse homem, que é um matuto, um nordestino sem eira nem beira, um Zé ninguém sem formação alguma, um pobre coitado que comete graves delitos na sua fala coloquial, um articulista que está sempre jogando água no fogueira, saindo de cena na maior diplomacia possível, para agradar gregos e troianos. Podem falar de tudo, tudo é verdade. Tanto é verdade, que foi o presidente da esperança de milhares de brasileiros que têm o mesmo perfil que ele: até há pouco tempo, a maioria do povo brasileiro – os Zés ninguém. Mas acusá-lo de responsável pelas maracutaias que existem no Brasil desde a época em que ele foi descoberto, isso é no mínimo um preconceito legítimo contra a sua humilde procedência, porque no quesito competência, criticar o seu governo é no mínimo despeito, inveja ou burrice. Porque embora humilde e simples, no seu governo o Brasil cresceu, seu povo mudou e mudou para melhor, em todos os sentidos.
Só não vê quem não quer.