EGOÍSMO E SEUS RESULTADOS.
Pery, maravilhoso o diagnóstico enviado, relevando sobressaltar, ou seja, tomar de assalto, o epicentro da problemática social reiterada pelo expositor; “O que torna mais pesada a angústia de nosso tempo é a magnitude dos problemas sociais”.
Evidente ser o núcleo o egoísmo que não será contornado. O iluminismo deu passos largos na conquista dos direitos que conhecemos em favor da liberdade, mas as restrições outras permanecem cerceando a própria liberdade.
O rastreamento histórico trazido, em suma de enorme propriedade, deixa mais claro ainda a carência dos humanos imposta pelos próprios humanos. Uma tribo igual como pessoa e desigual em direitos universais, naturais.
“A vida não é projeto dos deuses, nem condenação cósmica. A vida é feita pelos homens, e só por eles, e a história, com seus acertos e desatinos, não é bruxa, nem fada”, e isto é solar. A condição humana impõe essas balizas
A opção pela liberdade de escolha continua a desenhar o bem e o mal, o pêndulo em que a humanidade caminha temporalmente, sem muita inclinação para o reconhecimento da irmandade. Nessa quadra da vida, olhando o pouco que sei de história e os dias atuais, sou um pessimista que crê na existência da saída das trevas para a luz, mas nos passos descritos por Habacuque, onde um segundo da eternidade são milhões de anos para nossa espécie.
Será que alcançaremos um destino de luz? Creio que não quando percebo como o articulista que : “A fome e as endemias convivem com a ostentação e o luxo dos muito ricos. Embora em certas regiões do mundo a miséria seja estatisticamente maior, não há cidade imune da qual o sofrimento insuportável tenha sido expulso.”
Não estou em que houve “razão perdida”, mas desrazão pela opção humana de escolha, inclinada pelo interesse pessoal mais do que voltada para o benefício de todos. A “razão perdida” incapacita a escolha pela perda de razão, sempre absoluta. Quero estar errado em minhas posições, mas penso que a história vem se repetindo com maior ou menor intensidade e alguns pouquíssimos avanços em prol do que se entende por melhor, ao menos a erradicação da fome e do escravismo em suas várias modalidades, onde não se insere só a restrição de liberdade, antes e mais, a restrição da vontade legítima e digna, como a de trabalhar e se educar.
Abr. Celso
busca da razão perdida
Jornal do BrasilMauro Santayana
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O presente sempre angustiou os homens, desde que há registros históricos, e sempre houve os que temiam o futuro, tanto quanto os que nele punham a esperança da espécie. Da mesma forma, não faltaram, e ainda não faltam, os que sonham com o retorno à improvável Idade do Ouro, que permanece arraigada na alma dos homens, e encontra a sua versão mais radical dentro das fronteiras do paraíso bíblico.
Sofrer e sonhar, esperar e temer, lutar e resistir, são as condições que o ato de viver nos impõe. A vida não é projeto dos deuses, nem condenação cósmica. A vida é feita pelos homens, e só por eles, e a história, com seus acertos e desatinos, não é bruxa, nem fada: ela é decidida, em cada minuto, pela vontade dos homens e pelos fatos que essa vontade determina.
O que torna mais pesada a angústia de nosso tempo é a magnitude dos problemas sociais. O mundo inflou nestes últimos 200 anos, com o consumo exacerbado dos bens não renováveis, pelo menos de acordo com os nossos conhecimentos atuais, e suas consequências. Uma coisa é resultado da outra: as descobertas científicas tornaram mais fácil a exploração da natureza e o aumento da população, mediante o aprimoramento da medicina, melhor nutrição, mais conforto. Infelizmente, tais conquistas da inteligência não se fizeram universais.
O que torna mais pesada a angústia de nosso tempo é a magnitude dos problemas sociais
A fome e as endemias convivem com a ostentação e o luxo dos muito ricos. Embora em certas regiões do mundo a miséria seja estatisticamente maior, não há cidade imune da qual o sofrimento insuportável tenha sido expulso. Enquanto um só ser humano não tiver direito ao pão de seu dia, à dignidade de um teto para a noite, ao respeito de seu semelhante, o mundo continuará sendo inóspito.
Assim como, no século 18, alguns pensadores discutiam o envelhecimento das ideias do Renascimento (embora o termo só viesse a ser criado por Michelet bem depois, em meados do século 19), há algumas décadas que o Iluminismo vem sendo analisado por autores importantes. Alguns pensadores marxistas encontram, em seus postulados, os germes do totalitarismo, ao mesmo tempo em que os nazistas e os fascistas continuam a atribuir à Revolução Francesa (que foi a sua expressão política) a origem das ideias, que consideram desprezíveis, como as da igualdade, da liberdade e da imperfeita democracia moderna.
É provável que a exaustão da inteligência seja responsável pela assustadora crise dos estados contemporâneos
Seria bom que retornássemos ao Iluminismo, e examinássemos seus acertos e suas falhas. Consequência natural do Renascimento, o Iluminismo foi um dos grandes momentos da inteligência dos homens. Ele se iniciara no século 17, e estava associado ao crescimento da burguesia como classe emergente e aspirante ao domínio político dos estados europeus. Antes que os franceses lhe dessem o grande impulso com a publicação da Enciclopédia, obra titânica do esforço pessoal de Diderot, o Iluminismo já crescia com os ingleses Milton, Locke, Hobbes, que associaram suas inquietações humanísticas aos projetos políticos, sem os quais a filosofia é inútil diversão da mente.
Se fosse possível resumir o sumo da razão do Iluminismo, talvez a encontrássemos ainda no século 17, com a frase linear de Spinoza, quando, em seu Tratactus theologico-politicus, diz que, ao examinar a vida, o comportamento e as crenças humanas, é necessário non ridere, non lugere, neque detestare, sed intelligere. Não devemos rir, nem lamentar ou detestar, mas entender. O Iluminismo, ao separar a inteligência da fé e distinguir a ciência — ou seja, o conhecimento — da religião, foi a busca do entendimento, o retorno à filosofia prática dos grandes gregos.
A inteligência, tanto no Renascimento quanto no Iluminismo, esteve a serviço da política, em seu melhor e em seu pior sentido. É provável que a exaustão da inteligência, que encontrou o momento alto na Idade Moderna com a Enciclopédia e os excelsos pensadores do século 18, seja responsável pela assustadora crise dos estados contemporâneos.
No Renascimento, os príncipes se cercavam de intelectuais, os uomini d’ingegnio, como foram Dante e Da Vinci, da mesma forma que buscavam seus chefes militares, os condottieri, entre eles, Castruccio Castracani, um dos modelos de Maquiavel, e os lendários Sforza. Durante o Iluminismo, os pensadores não estiveram perto do trono, porque eles estavam, como servidores da razão, contra o Estado absolutista, principalmente na França dos últimos Luizes.
Para entender a anemia política dos estados de nosso tempo, é necessário examinar o desengajamento da maioria dos intelectuais de hoje, sem esquecer que a própria inteligência se encontra em crise.