Vozes de antes
Eu não tenho um tempo do qual sinta saudades; não conheci um tempo em que não havia guerras para eu me sentir em paz; em todos os meus tempos pessoas amadas partiam e eu ficava perguntando por que partiram? Se foram para o céu, ou se foram para se sentirem amadas em outros, o certo é que se foram; mas eu me lembro do tempo em que uma voz vinha do telefone para me perguntar onde eu queria falar.
Era com ela que eu queria falar , ela deixava de ser telefonista e se vestia de ser amada, eu não a via, eu só a amava, aquela voz me fazia sorrir se eu triste, aquela voz me fazia refletir se a bruma me turvava.
O telefone se fez confessionário e nele morava uma voz, quantas vezes eu a fiz linda, dava-lhe traços de Afrodite e quantas vezes eu lhe pedi um beijo, aquela voz, mesmo em serviço, me cantava cantigas, me cantava cirandas, aquela voz se sabia amada
Contei-lhe mistérios, fiz confidências; ondas sonoras impregnavam meu querer, não me lembro se algum vez eu lhe pedi para completar uma ligação, e ligados ficávamos por tempos, sem questionar se alguém mais precisava daquela voz, aquela voz era minha, ela falava para mim
Deixei de falar com minha consciência, a voz era meu siso, meu foro íntimo, ela era meu juízo e ainda é minha reminiscência
Eu lhe pedia para pensar em uma margarida e que dela tirássemos as pétalas em sucessivos bem-me-quer, bem-me-quer, bem-me-quer e o talo de só bem querer a fez imaginar a minha prenda, eu havia assim lhe dado um querer.
Sistemas matam elos, hoje ela não existe em meu telefone, foi-se o lirismo,deixou-me um encanto, não tenho do que sentir saudades, mas queria que ainda fosse ela a me dizer: Alô