UM FILHO
UM FILHO
Deveras demorei ter meu primeiro filho, aliás, filha. Até não consigo entender porque tiraram o assento do para e não tiram o machismo da língua portuguesa. Mas deixa pra lá.
Voltemos ao filho. Em algum conto parece que escrevi assim: “Devemos cultivar nossas raízes porque senão o fruto nasce podre”.
Deveras amei meu pai, deveras amo minha mãe, deveras até acho que amo meus filhos, mas aquela antiga prosa de cultivar as raízes foi ultrapassada por uma força maior que fugiu de meus domínios.
Como que se eu, como família, fosse uma frondosa mangueira produzindo frutos e folhas para estercar minhas raízes e de repente passa uma enxurrada capitalista e limpa tudo, me deixando ao léu.
Como se minhas raízes não servissem nem para esterco para manutenção do sistema. Mas minhas filhas servem.
A globalização teve várias serventias onde a maior foi o fim da exploração dos supostos países ricos mundo afora. Prova disso é que a Europa está numa crise medonha. Ponto. Mas essa mesma globalização, através de uma propaganda enganosa está transformando nossos filhos em robôs. Sem raízes nenhuma como se fossem produzidos pelo vento, vento esse que os leva para a África, para os EUA, para a Europa e por lá ficam aprendendo o sempre insuficiente conhecimento, como se um diploma, um mestrado, um doutorado ou sei lá mais o quê fosse insuficiente para ser feliz.
Escrevo esse conto no exato momento que minha segunda filha deve estar embarcando num avião rumo a Espanha onde vai ficar seis meses, seis, nesse troca troca de escolas federais que não sei o nome. Uma criança num país tão longe e eu fico aqui a imaginar quando fui para cidade estudar à cerca de trinta km. Chorava, esperneava, meu pai me ameaçava, só ameaçava, minha mãe querendo me ver doutor... Choro... Trinta quilômetros...
Mas minha primeira filha pegou mais pesado. Depois de morar nos EUA com a mãe quando ainda era adolescente, estudou um semestre na França quando era estudante de psicologia e agora mudou para a África onde também faz esses doutorados da vida. Já faz mais de seis meses que não ouço sua voz porque por lá a pobreza é pior ainda.
Fico só olhando meus dois pequenos, agora machos como a língua portuguesa quer, me pedindo um picolé...
Talvez ainda o desenho da televisão não os tenha ensinado, mas tenho certeza que com o tempo, serão induzidos a pular fronteiras atrás de um concorrido conhecimento como que suas raízes somente fossem uma tola de uma semente, já usada e descartada. Mal pensam que foi essa tola semente que lhes deu a vida, vida essa muito mais importante que qualquer conhecimento.
JOSÉ EDUARDO ANTUNES