Lembrando do cafezinho

    Quando me aposentei, foi do cafezinho que mais senti saudade.  Na minha repartição, só no turno da tarde, saíam três rodadas. E se a copeira estivesse de bem com a vida, mais de três era inevitável. 
   Oh! O cafezinho oficial... nem sempre saboroso; frio às vezes; mas aguardado com ansiedade, e degustado com imenso prazer...

  Nem os Códigos, nem as Súmulas, nem a extensa Jurisprudência, que fui obrigado, como Procurador do Estado, a manusear durante quase quarenta anos, marcaram tanto este velho advogado aposentado, quanto o cafezinho servido durante o expediente. 
    Entre um parecer e outro, um gole. Depois um cigarrinho. E na fumaça de cada cigarro, deixava que se diluísse a tensão provocada por dezenas de processos sob minha responsabilidade, alguns, de difícil deslinde. 

    Houve um governador da Bahia - não lhe direi o nome - que tentou substituir o café por chocolate.  A inovação foi rejeitada. Tanto pelos funcionários fumantes como  pelos funcionários dorminhocos. Estes, sem o cafezinho, seriam irremediavelmente flagrados em sono profundo, por entre as estantes do almoxarifado.

   Esta história do café servir como estimulante, vem de muito longe.  Teria acontecido nas cercanias de um convento.  Conta-se, que, nas arábias, no século XV, existiu um mosteiro, cujos frades tinham, sob sua guarda, um rebanho de cabras. 
   Certa feita, esses caprinos comeram pequeninos frutos, e ficaram bastante agitados. As cabras, que até então eram animais de uma doçura celestial,  passaram a dar muito trabalho aos monges; inclusive, na hora de voltarem pro curral. 

    O prior do convento, tomando conhecimento do que ocorrera com suas cabrinhas, ordenou que os frutinhos  fossem colhidos, fervidos, e seu líquido servido aos frades. 
    O religioso que provou da bebida, que tinha uma cor escura, sentiu-se, diz a lenda, "mais disposto para a vigília; mais pronto na disciplina; e mais fervoroso na oração". 
   Não sei se esta é a verdadeira história do aparecimento do café, como uma bebida estimulante. Se outras histórias existem, e é provável que existam,  até gostaria de conhecê-las.

    Na inatividade, continuo gostando do cafezinho. Não passo por uma lanchonete, ou por um boteco, sem pedir um menor; sem leite. 
   Adotei-o como um dos meus vícios. 

   E nunca o rapé, que, segundo Machado de Assis, é como se imagina o inativo do serviço público: "Conceber um aposentado sem caixa de rapé é como conceber  o sol sem luz, o oceano sem água. Um pertence ao outro, como a alma pertence ao corpo; são inseparáveis." 
    Não é verdade.
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 15/01/2007
Reeditado em 23/08/2013
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