Confetes traiçoeiros


     Enquanto o pau começa a comer no chão da praça, relaxo, ouvindo música Gregoriana. 
Obrigado, São Gregório I, O Grande. Fostes o papa que, no final do Século VI, preocupou-se em adaptar o Cantochão às celebrações religiosas da Igreja de Roma. Daí o nome: Canto Gregoriano. Uma justa homenagem.
     A Igreja moderna parece ter esquecido o Cantochão. Vem trocando-o por barulhentos benditos, como se Deus fosse surdo, e não o é.
Mas ainda se consegue ouvir, nos mosteiros e abadias, o som compassado e piedoso do Cantochão. Deo gratias! Em CDs maravilhosos ele chega até nós. Vou, porém, deixar este assunto para a Quaresma. 

     Agora é falar de carnaval, que está chegando. Em Salvador, cidade excessivamente canora, a batucada já toma conta de suas esquinas, becos e ruelas. E tome-lhe musiquinhas da pior qualidade insultando o Rei Momo.
      Peço, então, que abram alas e me deixem passar com esta crônica falando de um carnaval que me trouxe uma enorme complicação, mas que deixou saudade.
     Inicio, contando esta pequena estória. Ex-seminarista, e ainda guardando um pouco do recato adquirido nos claustros franciscanos, resolvi pular carnaval. 
 E lá fui eu, fantasiado (ridículo) de marinheiro, às batalhas de confetes num dos mais animados clubes da gostosa Fortaleza dos anos 1950. 
     Minha paquerinha resolvera passar o carnaval na fazenda da família, no interior do Ceará. Confiante na minha aparente inexperiência e indisfarçável timidez conventual, ela viajou certa de que seu bem-amado  jamais se entregaria à farra carnavalesca. Não me lembro se lhe prometera trocar o tríduo momesco por um retiro espiritual em uma casa religiosa qualquer.  

     Trai-a com a primeira colombina que encontrei levitando no salão, coberta de confetes coloridos e cheirando a lança-perfume, à época ainda permitida. Ah! Foram três dias entregues a Baco e sob os olhares complacentes da foliã se dizendo apaixonada pelo seu improvisado folião...
     Na Quarta-feira de Cinzas, a paquerinha voltou. Poderia imaginar tudo, menos que seu namorado houvesse caído nos braços da folia. O tempo, porém, era de  serpetinas e confetes; e estes, pequeninos, se escondiam, até nas nossas peças mais íntimas, e eu não sabia.
     Muito bem. Crente que estava abafando, abracei-a com naturalidade. Aí deu-se o inesperado: uma chuva de confetes cobriu-lhe o suplicante busto, denunciando, inapelavelmente, o incipiente folião. Naquele instante, aconteceu o fim do namoro... Ela e eu, numa tarde-noite de uma Quarta-feira de Cinzas, nos despedimos para sempre.
     Folião aposentado, quando re-conto esta estória, invariavelmente assobio aquela marchinha carnavalesca do David Nasser, que diz assim: "Confete/ Pedacinho colorido de saudade/ Ai, ai, ai, ai/ Ao te ver na fantasia que usei/ Confete/ Confesso que chorei. / Chorei porque lembrei/ Do carnaval que passou/ Daquela Colombina que comigo brincou.
     Teria sido aquele o meu último carnaval? Fantasiado, foi. Outros carnavais vieram, mas eu sempre de olho nos confetes...
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 03/02/2012
Reeditado em 11/03/2020
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