A LEGENDA DOS LIXOS

A modernidade muda costumes, mas algumas brincadeiras não morrem. Quando eu era menino costumava sair pra rua para andar de bicicleta ou soltar papagaio (pipa, não ave). Quase de noite minha mãe gritava para que eu voltasse. Mas um dia destes vi uma cena interessante e, para mim, até então inusitada: um menino que ia trajando calças curtas, sujo de terra como devem ser os garotos que brincam na rua, levava em uma das mãos o seu papagaio e na outra um celular. Mesma brincadeira, mesma mãe preocupada, mas um meio menos sofrido para os pulmões na hora de chamar pelo filho de volta pra casa.

Mudam se as práticas e com elas alguns hábitos. Até mesmo uma nova classe de lixo aparece ao nosso redor. Isso é obvio, pensarão alguns. Antigamente podíamos encontrar algumas garrafas ou frascos de remédios, de vidro. Hoje são de plástico. O melhor era não topar com lixo nenhum, mas nós não estamos na Alemanha ou Suíça, e cada um convive com o lixo que merece, esteja este nas ruas, em hospitais, nas escolas, dentro de nossas próprias casas, ou na chamada “Casa do Povo”. Somos muitos eleitores, e se um grande número de nós votarmos errado, certamente se estará escolhendo o lixo com o qual vamos conviver por um bom tempo, uma vez que, mais educação e melhor saúde, são condições que estão associadas a hábitos mais adequados de se lidar com os produtos descartáveis que produzimos.

Mas este não era precisamente o tema desta crônica, que nasceu de um ímpeto nostálgico. E por isso advirto quem pensava que esta mudança no cenário das sujeiras, que encontramos pelas ruas, eram todas previsíveis, que não tenham tanta certeza. Eu confesso que me espantei um pouco anteontem ao ver algo que denominei “berimbau pós-moderno”. O que chamo berimbau, não é o instrumento monocórdio tão utilizado na capoeira, mas uma “ferramenta” que em garoto a gente fazia. Ela consistia em um barbante com uma pedra amarrada na ponta e que utilizávamos para atirar contra os cabos da rede elétrica na tentativa de recuperar um papagaio (de novo a pipa, não ave), quando este estivesse enroscado nos fios. Quase sempre acabavam os dois presos ali: papagaio e berimbau. Mas no dia mencionado acima, eu vi um CD amarrado em um barbante e preso nos fios de um poste: nascia o berimbau do século XXI.

Pois é isso, meus amigos. Os tempos mudam e com eles alguns costumes e artefatos. Muitos destes são criados para ajudar o lixo a se perpetuar no domínio de nossa sociedade que está repleta de pessoas que se contentariam com pouca coisa. Gente que já se sentiria feliz se soubesse que seus filhos teriam uma vaga em uma escola digna deste nome, que poderiam ir e voltar dela em segurança, e que quando um contratempo aparecesse, não ficariam desesperados e presos numa rede burocrática, mas teriam certeza de que um atendimento médico gratuito e de qualidade lhes seria oferecido.

Sei que comecei por uma coisa e acabei por outra, mas tudo vem dar na mesma. Acho que o que todos nós gostaríamos é de poder brincar ou trabalhar, seja de forma tradicional ou moderna, sem deixar que o lixo que muitas vezes se disfarça com ternos finos e sorrisos falsos, permaneça, para sempre, espalhando imundícies ao nosso redor e se nutrindo das desgraças alheias.

Kastrirvm
Enviado por Kastrirvm em 03/02/2012
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