ALGUMAS REFLEXÕES

Na minha idade, já ultrapassados os 87 anos, posso dizer que dedico grande parte do tempo às recordações do passado. São tantas as lembranças de uma infância lúdica, de uma adolescência bem aproveitada e recheada de sonhos; de uma mocidade simples, mas alegre; da fase já adulta, quando variados e belos sentimentos embalaram a minha alma, de modo que quando alcancei a maturidade já cheguei preparado, sem frustrações, e sabendo, graças a Deus, superar os eventuais obstáculos que porventura se me deparassem.

Tudo isso me induz, hoje, naturalmente, às quase permanentes reflexões, e gosto de fazê-las. Não sei com que idade Mário de Andrade, num belíssimo texto, afirmou que descobrira que tinha, para o futuro, muito menor tempo do que o que já vivera. E, diante disso, iria mudar a sua visão sobre a vida, o seu comportamento e o julgamento das pessoas e dos fatos. Não sei se foram exatamente essas as suas palavras, mas acho que foi o que quis dizer.

Esse entendimento, passei a tê-lo mais ou menos há uns quinze anos, quando percebi que já estava descompassado diante da evolução dos costumes. Aos 65 anos, talvez até aos 70, ainda mantinha um certo vigor físico, ainda me locomovia só, praticamente não dependia de ninguém. Depois dos 70 comecei a perceber o peso dos anos e, ante a consciência da realidade, a experimentar certas limitações e, então, sendo o nosso futuro imprevisível, a aperceber-me de que já superara a média de vida dos homens – mesmo a atual, mais dilatada pelo progresso da ciência, especialmente a médica - e alguns projetos que porventura surgiam, o surjam, em minha mente, passaram a ser de curto prazo.

Considerando a carga, ou o acervo de tantas emoções vividas, às vezes fico fazendo uma visão retrospectiva de toda a minha vida e refletindo se, hipoteticamente, pudesse revivê-la, se mudaria alguma coisa. Ao contrário do que expressa uma famosa crônica atribuída a Jorge Luiz Borges (salvo engano), talvez não, ou com certeza não, a não ser na questão da sociabilidade. Nesta, tentaria perder mais a timidez e teria feito o possível para aprender a dançar porque, por essa incapacidade, privei a minha família - e confesso que a mim mesmo, pessoalmente - de divertirmo-nos comparecendo às muitas festas para as quais era convidado (mais em função dos cargos que exerci) e não ia, ou ia, mas ficava todo o tempo sentado em torno de uma mesa sem desfrutar o prazer de estar presente. Considerando o tempo e as circunstâncias em que vivi, com certeza não sinto necessidade de mudar mais nada, pois sei que fui feliz e, hoje, não obstante as conseqüências, os achaques naturais da velhice (alguns atualmente têm limitado bastante o aproveitamento de certos prazeres), mesmo assim considero-me um homem realizado.

Se me fosse dado pedir alguma coisa a Deus, pediria um milagre, mas deixando naturalmente a seu critério, porque Ele sabe o que faz: pediria a recuperação da saúde de minha esposa, antiga e querida companheira - há mais de 65 anos - com quem pudesse conversar sobre os problemas com que me deparo na vida atual, pois talvez alguns ela pudesse ajudar-me a enfrentá-los. O mais de que sinto falta, peço-os nas minhas orações e acho que tenho sido atendido. Oro sempre pela numerosa família que Ele me deu e acho que toda ela é feliz a seu modo, o quanto pode. Aliás, acrescento mais que pediria que suspendesse um pouco a chamada dos poucos amigos que me restam, conterrâneos e contemporâneos, parceiros das minhas aventuras, e velhos colegas de trabalho no Banco do Brasil, porque a presença deles ameniza a minha solidão que, por vezes, me invade a alma.

Natal, domingo, 25.12.2011

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 01/02/2012
Código do texto: T3475081