Perdas inevitáveis

Crônica 

Na vida desde cedo aprendemos a abrir mão das coisas que amamos.

Quando bebês, nosso desenvolvimento nos obriga a abrir mão daquelas mãos que nos protegem, nos afagam - as quais  inicialmente acreditamos ser nós mesmos; daquele leite que nos alimenta e da perfeita  simbiose mãe-criança. Quando crianças abrimos mão da segurança de nosso lar, de ter alguém que aja e  pense por nós. Vamos para a escola e aprendemos que nunca mais teremos aquela proteção incondicional.

Adultos, abrimos mão das brincadeiras, da inocência, temos que trabalhar, aprender a enxergar a vida pelos próprios olhos,  descobrir nossos próprios caminhos...

Pais, mães,  abrimos mão da individualidade, das noites bem dormidas, dos programas a dois, da nossa auto-suficiência. 

Desprendimento maior, porém,  encontramos na velhice. A chamada terceira idade. Cruelmente nesta fase é que temos que abrir mão do bem mais precioso que possuímos: nossa autonomia, nossa independência, e  por indução nossa auto-estima. 

Tudo aquilo que construímos e lutamos para conquistar, de repente não nos é mais acessível. Precisamos da ajuda de outras pessoas para resolver problemas do dia a dia, para realizar tarefas corriqueiras, para viajar, etc. Nossa auto-estima recebe uma ducha de água fria  cada vez que nos deparamos com a necessidade de pedir ajuda a um parente, vizinho ou até mesmo a desconhecidos. Falando em auto-estima lembramos logo da aparência física,  outro fator que nos faz abrir mão de algo imprescindível para nosso ego:  a vaidade. Sim, pois a beleza vai deslisando pelo espelho a cada vez que nos miramos. A vista vai enfraquecendo,assim como os ouvidos. A locomoção se torna difícil. Até nosso raciocínio teima em não acompanhar o ritmo dos acontecimentos, ou o corpo teima em não acompanhar a mente...

Finalmente, o inevitável: abrimos mão da vida. Agora não é mais o  início, o desconhecido, a insegurança, as descobertas; nem a maturidade, a responsabilidade; tampouco a experiência, a sabedoria; agora é o infinito, quem sabe um novo começo, uma nova realidade, um novo mundo, onde, quem sabe, não tenhamos que abrir mão de tudo aquilo que conquistamos...