Insônia
Os gritos abafados que adentravam pela janela do quarto de hotel começou a perturbá-la. Não eram gritos sonoros, harmoniosos. Eram uivos externados, roucos, maldizentes. Malditos uivos! A insônia, o cheiro de carpete molhado, o odor do cigarro, essas dores na bexiga e agora os uivos. Tudo perturbava. Seu corpo pesava o infinito do mundo. Sua vida toda passava ali, naqueles miseráveis segundos. Precisava de uma boa dose de wisky. Acendeu um cigarro. Eram três e quinze da manhã e o sono não vinha. Não suportou e abriu a janela. Lá fora só viu neblina, não tinha vento e nem ar. Sufocou de desprezo. Uma nuvem branca cobria o horizonte. O que haverá por dentre as entranhas de tudo o que existe? Estava no quinto andar de um maldito hotel, onde o dono era um velho tarado pervertido de barbas brancas e de cheiro insuportável, assim como o recepcionista, um sujeito esquisito, sempre de zíper aberto da calça. Pensou pular a janela, mas não sentiu vontade de morrer. Queria voar pela cidade, adentrar os bares, os becos, as favelas, as seitas e tudo mais. Sentiu vontade também de ter alguns trocados no bolso, uma passagem de ônibus, um prendedor pro cabelo. Não tinha nada! Somente um sutiã velho, uma calça jeans desbotada, um maço de cigarros e milhares de escritos. Para que servem as palavras? Pegou as folhas e jogou no fogo aceso no cinzeiro, queimou as palavras todas, que sussurraram baixinho. O fogo das palavras se impregnou no colchão, no guarda roupas, no sutiã velho, na calça jeans desbotada, no quarto, no hotel inteiro. Queimou tudo. Até mesmo o velho tarado dono do hotel e seu asqueroso recepcionista, que dormiam. Tudo eram cinzas. Enquanto as chamas cantavam e dedilhavam todas as poesias escritas, pulou a janela e voou, pelas entranhas da cidade, pelos becos do mundo. Só assim conseguiu dormir, e os gritos cessaram.