O maestro da banda

Lá estava ele, recém-contratado da prefeitura municipal.

Sua missão: criar a retreta municipal!

Músicos? Ora músicos, esses foram encontrados entre os garis, entre o deserdados da cidade, entre os braçais da própria prefeitura., ou mesmo filhos destes, para não se ocuparem de outras coisas. Trabalhavam arduamente durante todo o dia, ainda assim, à noite, tinham disposição para os ensaios e noções de música.

Estavam lá o Dito Preto, tocando um repique; o Tonhão, filho do coveiro, tocando uma Tuba; o Cido Lixeiro na Clarineta; o rapaz do prato, enfim, a nata da sociedade a alegrar a praça nas noites do sábado e domingo ou algum outro dia especial.

Estavam todos lá na praça, quando na esquina da avenida da linha do trem, ouvindo-se a marcação do surdo, aparecia a Furiosa. Assim também ela era chamada.

Subiam a rua rapidamente marchando e executando uma ou outra peça de música, apropriada para bandas marciais. Estacionavam ao lado da igreja, escondendo-se dos ventos que lá era comum.

Haviam reformado o jardim, tiraram as árvores, tudo ficou mais moderno, inclusive com a Fonte Luminosa, que rendeu reeleição ao prefeito, e com tudo isso, foi-se também o velho coreto.

Em pouco tempo o maestro Cahil conseguiu milagres com esses músicos, que bem ou mal, se faziam entender ao executar as conhecidas marchas de então.

Tempos de ditadura, não faltavam algumas de cunho militar para alegrar também os milicos.

A execução da conhecida “A ponte do rio Quay”, do filme do mesmo nome, que visava enobrecer aquele comandante inglês, sob o jugo dos japoneses na guerra do pacífico, ou ainda algo relacionado à marinha, como o Cisne Branco, agradavam aos gregos e troianos dos anos de chumbo.

Assim, o maestro Cahil foi ficando conhecido e querido por todos daquela pequena cidade.

Mas a prefeitura, claro, não era aquela maravilha em termos de salários. E o maestro, levava a vida com bastante parcimônia.

Ele era também separado da esposa, que ficou residindo na cidade anterior em que havia vivido.

Logo vieram suas filhas Cássia e Odete a morar com ele. Eram lindas e despertavam facilmente a libido da galera. Fizeram sucesso e logo foram se ajeitando na sociedade local. Mas estas são outras histórias fora deste contexto.

E a vida foi correndo nessa toada.

Manter a retreta, estava pesado para o erário, e a bandinha também foi perdendo forças, os instrumentos já não eram repostos, os músicos já se desanimavam dos parcos incentivos recebidos pelo esforço extra, e à mingua foi morrendo de inanição.

O maestro, já não se sustentava mais, o prefeito também havia mudado, e aí certamente deve ter pesado ao novo manter os sucessos e dívidas dos anteriores, e foi-se embora do lugarejo, fazer música em outra freguesia.

Deixou saudades, e as filhas mais ainda.

Um belo dia surgiu um boato na cidade, de que o maestro havia ganhado um respeitável prêmio na loteria. Nesse tempo, a Esportiva era a última invenção caça-níquel governamental.

O maestro, tendo tentado a sorte em outras bandas havia voltado, à procura ainda de como melhor viver dignamente de sua música. Estava bem apresentável, até penteava os cabelos, tipo lambida de vaca.

Como ainda circulava por ali, era elogiado, paparicado e logo teve crédito em todo canto. Comprou muita coisa no comércio local, renovou o guarda-roupa das filhas, e inclusive um terno e gravatas novas para suas apresentações.

Certamente, o Maestro Cahil só quis aproveitar-se da situação, e quando perguntado, não dizia nem que sim e nem que não. Dessa forma, ficaram os credores com cara de idiotas e com a versão da boataria a dar aval como se fossem os informes do SPC (Sociedade de Proteção ao Crédito) de então.

Feitas as despesas e abusado do crédito, vem à tona a verdade: não havia prêmio algum!

E o maestro, nessas alturas também já havia desaparecido.

Ficaram os credores a ver navios e mais uma vez a lição típica de contos de Monteiro Lobato, a retratar o cômico das sociedades mais simples, principalmente interioranas, onde a cega vontade de angariar lucros, levam os incautos a caírem no conto do vigário.

Eu já havia visto algo semelhante, quando uma senhora havia sido contemplada em um consórcio de automóvel, quando receber um fusca, era um feito sem precedentes nessa época. Os desavisados achavam que era prêmio, quando não passava de uma simples quota contemplada. Também ela andava toda importante, com uma pastinha debaixo do braço entrando em bancos, saindo do cartório. Logo teve lá também seu crédito no comércio. Nessa época, ou um pouco mais, quebraram os grandes consórcios, que mantinham as prestações restantes fixas quando a quota era contemplada. Mas este é também um outro causo.

Muito mais tarde, fora encontrado em uma outra localidade, não se fez de rogado, e a quem o cobrava, o bom matuto dizia: não espalhei boato, e me foi dado crédito, não o pedi, devo não nego, pago quando puder!

Ambiguas in vulgum spargere voces.

[Virgílio, Eneida 2.99].

Espalhar boatos entre o povo.

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 14/01/2007
Reeditado em 14/01/2007
Código do texto: T347002
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