Homens e bichos.
Dia chuvoso e frio. Sob uma marquise, a carroça que noutros tempos era puxada por burros, há uma criança adormecida. Sentados no chão, junto ao fogão improvisado, o casal cuida da lata grande fumegante.
A criança maior, às voltas com o cachorro magro e, dois homens que parecem ainda menos providos esperam o jantar.
Os comensais meio bicho, meio homens dividem o pão, há dez metros da suntuosa igreja revestida de mármore.
Fiéis por eles passaram como se fossem invisíveis.
A família, acostumada ao abandono, come o que acha no lixo, e nas encruzilhadas.
"Somos todos irmãos!..." grita alguém dentro do templo!
Ahahaha! NÃO somos todos irmãos, enquanto houver barreiras sociais.
Qual o teu sobrenome?
Cadê teu holerite?
Quantos diplomas possuis?
És do povo ou da elite?
Como?! Não tens endereço nem telefones?
Saia da minha frente, não pise na minha calçada; o teu lugar não é aqui!
"Somos todos irmãos!..." lá dentro do templo a voz insiste.
Calem todas as palavras torpes e mentirosas!
Enquanto houver fome de comida, justiça, endereço, oportunidades, dignidade, entre outras, NÃO somos todos irmãos nem amigos, iguais ou parecidos.
Há imenso vão entre a elite e o povo, entre o povo e o mendigo.
Disparidade enorme entre quem manda e quem trabalha, entre o que dizem nas igrejas e a realidade!
A quem interessa mentir sobre a igualdade dos homens?
Pensem senhores, criem as suas realidades, defendam os seus interesses, mas não mintam ignorando os que vivem nas sombras.
Se cada um fizer a sua parte, é possível amenizar a desigualdade.
Certamente não é mentindo que se consegue isso.
Sonho com o dia que venha à tona a humanidade dos humanos, e Deus seja louvado em verdade por atos de amor. E os ritos e dogmas sejam desnecessários, pois grandiosidades dos bens existentes em templos possam ser usadas para saciar a sede, a fome e tratar dos Filhos de Deus, homens e animais; para que ninguém morra no abandono.