Andam falando demais
E diziam que ela não se respeitava. A verdade é que ela amava a vida demais para se importar com o que os outros diriam. Vida a gente tem uma vez só, se tivermos outras não nos lembraremos das passadas, ela dizia. Mas retrucavam sempre, onde já se viu andar assim, com a cabeça em outro mundo, derruba tudo por onde passa, pensa sempre em coisa atoa, e não era bem assim, as coisas são atoas quando não se importam com elas, e com certas atoísses ela se importava, deixavam assim de ser atoa e se tornavam apenas coisas. Derrubava tudo mesmo. Quando se pode dançar ao invés de dar um simples passo é melhor dançar. Ela não se contentava com o mínimo quando escalando uma ou duas montanhas se achava algo melhor. O que eram montanhas além de vários metros cúbicos de terra?
Vez ou outra se perdia. E esse corpo marcado? Todo desenhado, escrito, cheio de furos, e esse desleixo? Pra quê tudo isso? E mais uma vez surgia sua frase de efeito sobre a vida, já que a amava tanto porque se importar com corpo? Um dia aquilo ia sumir, desintegrar, virar pó e só sobrariam as ações realizadas, as palavras ditas, e tudo isso existindo na intangível memória de quem a tem. Então pra que se importar em excesso? Tudo em excesso faz mal, isso diziam mas ela sabia, e o mais engraçado era que quem o dizia era exemplo vivo de excessos.
Falavam, perguntavam, criticavam, julgavam, aliás, conjugavam verbos e mais verbos na cabeça da menina. E ela ficava lá, nas poesias, no café, nas músicas, na chuva, descalça, conjugando verbos que davam mais prazer. Por que na verdade, na verdade mesmo, ela nem ouvia o que tinham a dizer.