Avalanche de mal entendido

“Grupo Poder Feminino procura pessoas para coordenar projetos que ajudem mulheres a entrar em contato com sua força física e espiritual, a serem independentes e livres”.

Não penso duas vezes e mando meu currículo. De tão empolgada, escrevo o e-mail padrão com os bla bla blas de quem quer emprego e ainda acrescento: “O trabalho de vocês parece desafiador e incrível”.

Uma hora depois, meu telefone toca. Do outro lado da linha, um homem de voz grossa e inglês de sotaque forte e confuso. “Então, fale-me mais sobre você”. Faço um resumo básico de mim, incluindo que sou brasileira e jornalista, que vim a Toronto para explorar novas oportunidades. “Brasileira. Isso com certeza vai contar a seu favor com nossas clientes”.

Reflito sobre a conclusão dele com orgulho. Eu, servindo de exemplo para mulheres que querem se sentir mais fortes, capazes. Que lindo!

Ele corta meu pensamento logo em seguida. “Organizamos workshops para orientar essas pessoas a serem mais desinibidas e entrar em contato com a feminilidade delas. Queremos ensiná-las a @(*#&^*&%”.

Dessa vez, o sotaque transformou o inglês do cara em chinês. Mas, enrolei. “Parece ótimo! Realmente acho que vocês têm uma grande causa”.

Ele ri de leve e pergunta. “Então, a questão principal é: como você coordenaria esse trabalho? Dê um exemplo de como seria seu workshop para ajudar essas mulheres a &^%$^*&”.

O chinês me atrapalhou de novo. Meu workshop é sobre o quê? Decido dar uma rebolada na confusão e digo com voz sábia “Ok, vamos lá. O objetivo é mostrar que essas mulheres são capazes, criativas, fortes, que têm potencial, certo?”. A voz grossa responde: “Certo, tudo para que elas se tornem sensuais, femininas”.

É quando sinto uma mistura de ataque cardíaco, convulsão e derrame. Entre os sintomas, fico gaga. “Des..descul...desculpa! O que?”. “Sensuais”, ele responde. “À vontade para explorar o próprio corpo”.

Num supetão, cai a ficha. Absolutamente tudo fez sentido!

Por isso, entraram em contato comigo tão rápido. Por isso, o cara ficou tão feliz com minha empolgação. No workshop, eu sou professora do sexo. E é claro que ser brasileira me dá credibilidade. Somos todas, afinal, rainhas da bunda com mil utilidades – é o que dizem por aqui. E a cereja do sundae é que eu me referi a esse projeto como “desafiador, incrível, uma grande causa”!

Na mente dele, eu só posso mesmo ser uma tarada louca para passar minha sabedoria ao mundo. Na minha mente, eu sou uma revolucionária que incentiva mulheres a se sentirem o máximo, capazes de dominar o planeta. Tirem todos os ruídos dessa comunicação entre mim e a voz grossa do outro lado da linha, o que resta é uma bocó. Nem tiazinha sensual, nem heroína.

“É... não vai dar para mim. Foi mal.”