A NOITE E O GOOGLE EARTH


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             A noite chora lamentos e faz ecos nas copas das árvores. É como suave manto  escuro pousado sobre nossas cabeças. Uma negra aquarela derramada , diante da qual  ficamos de cara com o infinito espaço escuro pontilhado de astros. Ela cobra seu preço  a quem não se entrega, àqueles cujos olhos teimam e  cujas almas se atormentam , aos noctívagos errantes, aos desesperados, aos bêbados trôpegos, alheios a tudo, aos que trabalham, aos solitários, aos que choram, pois assim como a escuridão é convite ao sossego, ela é também  opressão ...

           O Google Earth,  mostrando o planeta em luz e sombra  chocou-me com a visão explícita do fato conhecido de que ela não é mais que a ausência da luz do sol acontecendo em um dos lados do mundo. Mas a "nossa" noite, a noite dos homens e mulheres  não é isso, não mesmo!

          A noite imemorial que assombrou os humanos desde o nosso surgimento, a mesma que encantou (e ainda encanta) os poetas com seus luares, aquela que foi fonte de indagações com suas constelações desde épocas remotas, que apontou direções, esta ainda é a mesma que chama olhares quando está clara e luminosa, que acolhe benevolente os que desejam ficar solitários, que  pousa nos telhados, no arvoredo, como breu.  Ela é sempre a misteriosa sombra que aos poucos baixa  e nos envolve, que tange a boiada dos que a ela se entregam como filhos naturais abraçados pelo deus do sono. Mas que também fascina hipnótica com seus presságios e significados escritos no imaginário por milênios. Ela mantém luzes acesas, olhos abertos e brilhantes, janelas faiscantes contra sua tela de piche, a revelar quadros de aflição, insônia , nascimento e morte.

             E atrai misteriosos personagens, convida à meditação, acorda fantasmas e acolhe almas cansadas. Numa grande cidade vê meninos que cresceram encerrados em apartamentos, andando por ruas e avenidas quase desertas desfrutando de um espaço provisório, felizes com suas bicicletas. As cidades que não dormem mais estão produzindo seres mutantes? Ou simplesmente neuróticos estressados?

            Há tanta luz artificial pra esconder aquela que já se ressente de ser ignorada e menosprezada.  Os galos já não cantam mais anunciando as madrugadas,  porque elas se tornaram apenas palavras e se recolheram para dentro dos livros, indo adormecer nas linhas de algum poema...
               
 


= Uma crônica do ano de 2008=
   
tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 26/01/2012
Reeditado em 28/01/2012
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