Divagar

É verão e a chuva cai intervalada, sempre calma e volumosa. Extremamente fiel e necessária. Traz alívio, beleza e a perspectiva de que a terra vai continuar produzindo frutas, frutos, flores. Além disso, enche a tarde de nuvens cinzas, espessas, que convidam a gente à introspecção, ao delicioso ato de divagar.

A minha casa é toda cercada por árvores: tem goiaba, seringuela, poncã. É um verdadeiro observatório com todos os recursos para que a divagação pegue nas asas amarelas das borboletas e decole.

Nessa tarde úmida de verão, junto à movimentada melissa, que é vizinha da poncã, onde se abriga a doentia orquídea, as borboletas, amarelas, com muitas pintas, dançavam harmoniosamente com tanta beleza, com tanta vida, com tanto mistério que fiquei completamente envolvida. Meu Deus! Como é bom observar, e divagar, acerca do papel de cada um nesse universo maravilhoso!

É certo que o capitalismo ofende e distorce a tudo o que realmente faz sentido, ao que abriga valor e identificação, mas o momento é esse. E se há um momento determinado para as chuvas chegarem, as borboletas dançarem e os frutos amadurecerem, certamente há uma razão para que nós, os racionais, vivamos em um sistema como o atual.

O que incomoda, na verdade, é a ausência de valor. E isso nos diversos sentidos que o termo valor possui.

Imagino que seria bem legal se tivéssemos uma nova ordem social cuja fundação se estruturasse em atitudes encharcadas de valores. Valores éticos, por favor.

Nada de sair cedo de casa, levando o bebê para o maternal, ansiosamente plugado ao celular, ao som de uma música absurdamente vazia de qualquer beleza para garantir a sobrevivência, para manter a alienação. Nem pensar na possibilidade de compartilhar um mesmo ambiente sem que a gentileza seja a ordem primeira do convívio. Dentre nós, a espontaneidade e a liberdade delimitadas tão somente pelo sentimento intrínseco de respeito a toda criação e ao Criador, são o que garantem a beleza singular que cada um naturalmente possui.

Bom, a goiabeira, abundante em frutos, alimenta os pássaros que, por sua vez, retribuem com os mais diversos cantos e cores. Gentileza, liberdade, oportunidade, trabalho em perfeita harmonia parecem fazer parte apenas da rotina daqueles que permaneceram submetidos às leis universais de tempo e oficio, o que, definitivamente, não aconteceu com nossa espécie.

Lê Machado
Enviado por Lê Machado em 26/01/2012
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