A GALINHA VIRGEM

O texto a seguir é extraído de "Crônicas da Vida Inteira", livro inédito sobre fatos de minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

A GALINHA VIRGEM

É possível que num terreiro, entre tantos galos machões, uma galinha morra de velha sem perder a virgindade?

Pois no terreiro lá de casa aconteceu o fato. E o mérito foi todinho meu.

Como acontece ainda hoje nos meios rurais, as galinhas lá em casa eram criadas soltas ao redor da casa e não sei por que, muitas delas viviam insistindo em invadir o nosso espaço e entravam por qualquer porta aberta sem a menor cerimônia. Se entrassem e saíssem com respeito, vá lá. Mas não. As desavergonhadas, mal chegavam, já iam deixando o cartão de visita – uma baita titica bem cuspida – no chão ou onde estivessem.

As chocas então... Estas, cacarejando, traziam a ninhada inteira atrás delas, e os pintinhos cresciam nesse mau costume e depois que se desgarravam da mãe, entravam sozinhos no maior desembaraço.

Pois foi um desses que um dia me tirou do sério. Pelo que já se percebia nele, o bichinho prometia transformar-se numa bela galinha, mas ainda não merecia o status de franguinha. Eu enxotava a danadinha pra porta, mas ela cismava e corria pra dentro. Eu a escorraçava de lá, e ela corria pra acolá. E ficamos nós dois nessa teima. Por fim eu me enfezei e, no que ela passou ao alcance de um pontapé, sentei-lhe um de esquerda tão bem dado, que ela voou contra a parede e ficou ali esperneando.

— Ah, nojento! Viste o que é bom? — exclamei ainda com raiva sem ao menos respeitar-lhe o sexo, xingando-a no masculino.

Peguei-a em seguida pela patinha e levei-a pro rancho do forno. Lá despejei água na cabeça, como já tinha feito certa vez com bom resultado, e deixei-a lá trancada. Somente no dia seguinte foi que eu vi o efeito da minha agressão. A pobrezinha sobreviveu, mas ficou descadeirada e andava arrastando o sobrecu no chão. E assim, daquele jeito, a coitadinha cresceu. Ficou uma baita galinha, mas com certeza nenhum galo que se prezasse se encantou por ela. Nem tinha como.

Minha mãe não ficou sabendo a origem do mal que a havia aleijado, pois eu não era bobo de expor-me a uns tabefes. Por isso, ela atribuiu o aleijão a alguma doença e, escrupulosa ou com medo, não quis dar um trato de panela na felizarda, que acabou seus dias na mais respeitada velhice e santa virgindade.

Quem quiser apreciar algumas de minhas telas acesse o blog atelierpacorrea.blogspot.com