A carapuça do Saci

A Carapuça Do Saci
Jorge Linhaça

O saci, como é de conhecimento de todos, além de seu cachimbo e de pular em uma perna só, é logo reconhecido
pela carapuça vermelha que lhe recobre a cabeça.
Diz a lenda que quem se apoderar da tal carapuça fica ,enquanto a tal carapuça estiver em seu poder, senhor do saci e pode direcioná-lo a fazer aquilo que seu mestre mandar.

Na sociedade atual, vestir as carapuças acabam por significar que alguém tomou para si alguma ofensa ou comentário que bem pode ter sido direcionado a outra pessoa ou mesmo a ninguém específicamente.

Na qualidade de escritores, muitas vezes acabamos por atingir o ego de uma ou outra pessoa, sem que no entanto tenhamos nenhuma intenção de fazê-lo. Às vezes isso resulta em reações positivas pois a pessoa ao ler nosso texto, sente-se de alguma maneira elevada por ele. Em outras ocasiões é um "Deus nos acuda", as pessoas que, por conta própria vestem a tal carapuça, reagem de maneira intempestiva e agressiva, na esperança de, com seu rugido, afastar para longe de si aquilo do que se apropriaram por conta própria.

Claro que isso envolve o momento emocional de cada pessoa e também é claro que, como escritores, ninguém tem a obrigação de saber o estado emocional de cada possível leitor de nossos escritos.
Haver modos de pensar e agir diferentes, pode ser uma oportunidade de crescimento, se as pessoas procuram manter um mínimo de lucidez ao debater as suas idéias. Por outro lado, quando o momento emocional de cada um não é bom,
o que ocorre é justamente o contrário. Os interlocutores partem logo para ofensas pessoais diretas ou metafóricas,gerando um profundo mal estar e por vezes uma resposta no mesmo tom.

Muitas vezes as pessoas que orbitam em torno de tais discussões, acabam por entregar suas próprias carapuças aos cuidados deste ou daquele querelante, tornando-se reféns, a partir desse momento, de um dos lados da questão.
Como o nosso amigo saci, acabam pulando em uma perna só e por conta disso, fecham olhos e ouvidos aos argumentos da outra facção.

Isto não é algo de que cada um de nós esteja isento, pode acontecer com qualquer um em determinados momentos.

A palavra escrita tem uma característica bastante interessante: Como não vemos a face de quem escreve e muito menos o seu olhar, tornamo-nos passíveis de interpretar algo de maneira equivocada, confundindo alhos com bugalhos.
Como cada um de nós tem suas próprias e intransferíveis vivencias e história de vida, o mesmo texto que pode cair como um bálsamo sobre a alma de alguns, pode, ao mesmo tempo, desencadear uma tempestade aterrorizante sobre a cabeça de outros.

Não acredito que, por mais que se tenha cuidado na produção de um texto, este chegue da mesma forma a cada um dos leitores que interagem com ele.

Cabe a cada leitor estabelecer o seu próprio juízo sobre aquilo que lê, isso é um direito que quem escreve lhes faculta tão logo distribui o seu texto seja por quais meios forem.

Ao leitor cabe digerir aquilo que leu e, caso sinta-se ofendido, procurar avaliar exatamente aquilo que o ofendeu antes de procurar responder baseado em uma primeira emoção que o acometa.
Claro que pode questionar o autor sobre aquilo que o incomodou e que lhe pareceu ter endereço certo, a questão é:

Como questionar o autor?

Se pura e simplesmente parte-se para a agressividade explícita, corre-se o risco de receber uma resposta no mesmo tom.

Se parte-se para uma tomada de posição irrascível, talvez receba de volta apenas o silêncio como resposta.

No entanto se freamos o nosso instinto de auto-defesa e de indignação a ponto de buscar saber do autor o porquê de se manifestar de uma maneira que nos desagradou, pode-se estabelecer um canal de comunicação onde as duas partes, no mínimo poderão esclarecer os seus pontos de vista.

Claro que, a fim de não cansar o leitor, muitas vezes o escritor procura condensar suas idéias num mínimo de palavras, se assim não fosse, cada texto públicado teria laudas e mais laudas, o que na prática afastaria o leitor que, via de regra é avesso a textos longos demais.

Enfim, escrever não é tão simples quanto parece, jamais sabemos onde algum texto nosso irá parar, principalmente se o publicamos na internet.

Podemos comparar o escritor ao semeador da parábola bíblica, que saiu para semear o campo e as sementes encontraram vários tipos de qualidade de solo. Do mesmo modo encontramos diversas qualidades de leitores e a semente que lançamos pode ou não germinar na mente e no coração de cada um.
Alguns nos leem superficialmente e logo esquecem o que leram, outros nos leem com ressalvas e aquilo que escrevemos acaba sufocado pelos sentimentos pessoais que nutrem contra nós.
Outros nos leem com alegria e a semente ganha um princípio de vida, mas logo a seguir as intempéries da vida acabam por arrastar a semente para longe.
Já outros sequer nos leem e nossos escritos acabam sendo como sementes lançadas à beira do caminho que os passarinhos vem e comem.
Mas, felizmente, há aqueles que, de posse de nosso texto, procuram extrair dele aquilo que lhes pareça bom e útil.
Assim a semente pode germinar e desenvolver-se até dar lugar a uma frondosa árvore.

Ao leitor fica a tarefa de escolher o tipo de frutos que deseja ter em seu pomar.

Carapuças à parte, é preciso exercitar a tolerância em relação a idéias diferentes das nossas, afinal tudo que se obteve de progresso desde que o mundo é mundo, surgiu de idéias diferentes.

Quando todos acreditavam que a terra era chata como uma moeda, alguém ousou defender que a mesma era redonda.

Quando todos acreditavam que o sol girava em torno da terra, alguém ousou dizer o contrário.

Quando todos diziam que era impossível ao homem voar, alguns "loucos" ocuparam-se de provar o contrário.

Enfim...o que hoje pode parecer insanidade para alguns, daqui a algum tempo pode provar-se ser verdadeiro.

Desejo a todos um bom dia, isento de carapuças.

Jorge Linhaça


Contatos com o autor
anjo.loyro@gmail.com


Arandu, 27/11/2009