Um advogado sem diploma
Dia 8 de dezembro de 1961.
Nessa data, no Salão Nobre da Universidade Federal da Bahia, eu ouvi esta frase: "Idem a Francisco Felipe Jucá Rolim."
Pois é, eu acabava de me formar em Direito. E como se dizia no passado, mais um novel bacharel, no foro e nos Fóruns. - "Ai viçosos tempos!"
Muito bem. No dia 8 de dezembro de 2011, comemorei, ao lado de vários colegas de turma - sobreviventes como eu - cinquenta anos de formado.
Em um dos restaurantes mais badalados de Salvador nos encontramos, para um lauto almoço.
Colegas de bengala e de cadeira de rodas, eu vi. Mas - muito engraçado! -, estávamos todos de cabecinhas grisálhas; inclusive as coleguinhas que, apesar das marcas implacáveis dos anos, continuavam graciosas como dantes.
Engraçado, hein?
E foi um tal de recordar as alegrias vividas nos corredores, na cantina, e nas salas de aula da querida Faculdade.
Faculdade que sob o seu teto acolhia, não só professores altamente qualificados, como estudantes de inteligência fulgurante. Dou dois exemplos: João Ubaldo Ribeiro e o saudoso Glauber Rocha.
Aos professores catedráticos, referências saudosas e agradecidas: todos haviam morrido.
Por último, a homenagem aos colegas que já se foram e hoje repousam no silêncio profundo dos Campos Santos.
Ah! Não foram poucos os que partiram...
Um encontro, como vêm, repleto de boas lembranças e de discreta nostalgia.
Relutei em escrever esta crônica.
Achava que este é um assunto exclusivamente meu. Meus leitores, poucos mais fiéis, nem eles iriam perder tempo lendo a história de um advogado formado no século passado. Foi o que pensei. Enganei-me: aconselharam-me a escrevê-la, sem hesitações.
E aqui estou. Mais do que nunca convencido de que não se escreve sempre e somente pros e sobre os outros.
De repente surge aquele inarredável momento em que somos chamados a escrever sobre nós mesmos; ainda que sem pedir reservas ou guardar segredos.
Formado, parti para a luta, como certa feita disse o Drummond: "com alma povoada de esperanças miríficas e sonhos maravilhosos."
E tenho dito.
*** *** ***
Para não deixar que esta crônica caia no mais desconcertante e definitivo esquecimento, decidi engalaná-la falando, não mais sobre mim, mas sobre um advogado sem diploma e sem anel.
Calma. Não se trata de contar a história de um embusteiro qualquer; ou as façanhas de alguém flagrado no exercício indevido da profissão.
Acabei de ler Doutor Machado - o direito na vida e na obra de Machado de Assis, da lavra dos advogados paulistas Cássio Schubsky e Miguel Matos.
Logo na orelha do livro lê-se, entre outros, este comentário: "O imortal escritor foi de tudo um pouco: novelista, cronista, romancista, crítico literário e até poeta."
E "pela ótica proposta pelos autores deste instigado livro, jurista."
Um livro bem agradável. Que pode interessar aos advogados e aos apaixonados pela obra do Bruxo do Cosme Velho,
Os autores, em determinado momento, lembram que de acordo com o escritor Edson Prata, nos livros de Machado de Assis, causídicos e outros funcionários forenses estão sempre presentes.
São "tabeliões, desembargadores, meirinhos, procuradores, provisionado, e gete do foro em gera", frisa o mineiro Edson Prata.
Doutor Machado tem aproximadamente 375 páginas. Escolhi um texto de autoria do mestre de Memórias Póstumas de Braz Cuba que confirma sua preferência por assuntos diretamente ligados às lides forenses.
Vejam este modelo de petição, publicado, como crônica, pela imprensa de sua época. Observem também que ela oscila entre o sério e jocoso.
"Ilmo. Sr.... Diz José deTal, estabelecido com aramazém de...... à rua de......no. ......., que, estando gravemente doente dos nervos, com expressa recomendação dos facultativos de se não alterar, visto que está impossibilitado de ouvir todo e qualquer barulho, entrou-lhe pelo armazém F......., cidadão... (a nação) e vendedor de toalhas e guardanapos de linho, lenços de algodão e cambraia, meias, etc, e, em altas vozes, começou a mercar a sua fazenda, e a perguntar se a queriam comprar; e como entenda o Suplicante que o referido F......procurou tentarcontra a vida do mesmo, crime previstono art. 192 combinado com o 34 do código criminal,
P. a V... que, recebendo a presente queixa, a mande distribuir e jurar, procedendo-se depois ao interrogatório das testemunhas F.....F..... e F.....etc.
E.R.M
O advogado provisionado - F...
Outras petições bem mais atraentes estão no livro Doutor Machado. Impossível transcrevê-las, todas.
*** *** ***
Nesta página, quis, apenas, dividir com você, meu dileto leitor, as emoções que senti, comemorando o meu cinquentenário de formatura.
E com uma declaração pública de amor ao Direito, direi, que ao longo dessas 50 décadas, estive sempre protegido pela deusaThemis e sob as bênçãos de Santo Ivo, o pouco lembrado padroeiro dos advogados.
Dia 8 de dezembro de 1961.
Nessa data, no Salão Nobre da Universidade Federal da Bahia, eu ouvi esta frase: "Idem a Francisco Felipe Jucá Rolim."
Pois é, eu acabava de me formar em Direito. E como se dizia no passado, mais um novel bacharel, no foro e nos Fóruns. - "Ai viçosos tempos!"
Muito bem. No dia 8 de dezembro de 2011, comemorei, ao lado de vários colegas de turma - sobreviventes como eu - cinquenta anos de formado.
Em um dos restaurantes mais badalados de Salvador nos encontramos, para um lauto almoço.
Colegas de bengala e de cadeira de rodas, eu vi. Mas - muito engraçado! -, estávamos todos de cabecinhas grisálhas; inclusive as coleguinhas que, apesar das marcas implacáveis dos anos, continuavam graciosas como dantes.
Engraçado, hein?
E foi um tal de recordar as alegrias vividas nos corredores, na cantina, e nas salas de aula da querida Faculdade.
Faculdade que sob o seu teto acolhia, não só professores altamente qualificados, como estudantes de inteligência fulgurante. Dou dois exemplos: João Ubaldo Ribeiro e o saudoso Glauber Rocha.
Aos professores catedráticos, referências saudosas e agradecidas: todos haviam morrido.
Por último, a homenagem aos colegas que já se foram e hoje repousam no silêncio profundo dos Campos Santos.
Ah! Não foram poucos os que partiram...
Um encontro, como vêm, repleto de boas lembranças e de discreta nostalgia.
Relutei em escrever esta crônica.
Achava que este é um assunto exclusivamente meu. Meus leitores, poucos mais fiéis, nem eles iriam perder tempo lendo a história de um advogado formado no século passado. Foi o que pensei. Enganei-me: aconselharam-me a escrevê-la, sem hesitações.
E aqui estou. Mais do que nunca convencido de que não se escreve sempre e somente pros e sobre os outros.
De repente surge aquele inarredável momento em que somos chamados a escrever sobre nós mesmos; ainda que sem pedir reservas ou guardar segredos.
Formado, parti para a luta, como certa feita disse o Drummond: "com alma povoada de esperanças miríficas e sonhos maravilhosos."
E tenho dito.
*** *** ***
Para não deixar que esta crônica caia no mais desconcertante e definitivo esquecimento, decidi engalaná-la falando, não mais sobre mim, mas sobre um advogado sem diploma e sem anel.
Calma. Não se trata de contar a história de um embusteiro qualquer; ou as façanhas de alguém flagrado no exercício indevido da profissão.
Acabei de ler Doutor Machado - o direito na vida e na obra de Machado de Assis, da lavra dos advogados paulistas Cássio Schubsky e Miguel Matos.
Logo na orelha do livro lê-se, entre outros, este comentário: "O imortal escritor foi de tudo um pouco: novelista, cronista, romancista, crítico literário e até poeta."
E "pela ótica proposta pelos autores deste instigado livro, jurista."
Um livro bem agradável. Que pode interessar aos advogados e aos apaixonados pela obra do Bruxo do Cosme Velho,
Os autores, em determinado momento, lembram que de acordo com o escritor Edson Prata, nos livros de Machado de Assis, causídicos e outros funcionários forenses estão sempre presentes.
São "tabeliões, desembargadores, meirinhos, procuradores, provisionado, e gete do foro em gera", frisa o mineiro Edson Prata.
Doutor Machado tem aproximadamente 375 páginas. Escolhi um texto de autoria do mestre de Memórias Póstumas de Braz Cuba que confirma sua preferência por assuntos diretamente ligados às lides forenses.
Vejam este modelo de petição, publicado, como crônica, pela imprensa de sua época. Observem também que ela oscila entre o sério e jocoso.
"Ilmo. Sr.... Diz José deTal, estabelecido com aramazém de...... à rua de......no. ......., que, estando gravemente doente dos nervos, com expressa recomendação dos facultativos de se não alterar, visto que está impossibilitado de ouvir todo e qualquer barulho, entrou-lhe pelo armazém F......., cidadão... (a nação) e vendedor de toalhas e guardanapos de linho, lenços de algodão e cambraia, meias, etc, e, em altas vozes, começou a mercar a sua fazenda, e a perguntar se a queriam comprar; e como entenda o Suplicante que o referido F......procurou tentarcontra a vida do mesmo, crime previstono art. 192 combinado com o 34 do código criminal,
P. a V... que, recebendo a presente queixa, a mande distribuir e jurar, procedendo-se depois ao interrogatório das testemunhas F.....F..... e F.....etc.
E.R.M
O advogado provisionado - F...
Outras petições bem mais atraentes estão no livro Doutor Machado. Impossível transcrevê-las, todas.
*** *** ***
Nesta página, quis, apenas, dividir com você, meu dileto leitor, as emoções que senti, comemorando o meu cinquentenário de formatura.
E com uma declaração pública de amor ao Direito, direi, que ao longo dessas 50 décadas, estive sempre protegido pela deusaThemis e sob as bênçãos de Santo Ivo, o pouco lembrado padroeiro dos advogados.