Mudanças do tempo



 
            Convido o Luís Affonso, meu amigo, para  tocar piano em minha casa, em Botafogo, na rua Voluntários da Pátria, no Rio  de Janeiro.                
            Éramos jovens, quase saindo da adolescência. O piano era da minha mãe. Nesta época não sabia nada de música e achava que não tinha jeito para aprender qualquer instrumento.
            No entanto, gostava de ouvir música e me maravilhava com quem tocava piano.
            O Luís Affonso aparecia e tocava  músicas populares. O melhor era quando ele começava a cantar,  imitando o Armstrong. Cantava igual, com aquela voz rouca. Eu me deliciava. Para atrair os amigos,  eu dizia que tinha em casa iguarias do Amazonas, que os cariocas naquela época não conheciam. Não sei se me enganavam, mas diziam que gostavam. Meus pais mandavam trazer do Norte banana pacovão,  farinha d’água amarela, da branca também,  açaí, graviola, cupuaçu,  em refresco e  em  doce.
            Assim, os meus artistas desfilavam e davam seus recitais para mim. O hoje famoso pianista João Assis Brasil era um desses artistas.  O Joãozinho,  como a gente  chamava, desde garoto encantava no piano. Nossa amizade nasceu em Penedo, cidade próxima de Rezende, Agulhas Negras, aqui mesmo no Rio de Janeiro.
            Ficava ao lado dele apreciando  o show  que ele dava.  Tocava música clássica, naturalmente. Um dia lhe perguntei o que ele estava tocando , qual o nome da música.  Achei a resposta dele fantástica: “esta música é minha, estou tirando agora da minha cabeça”.  Bem, eu ainda não sabia, mas ele já  era o  grande pianista João Assis Brasil, que hoje o mundo conhece.
            Fico pensando: -  nos dias atuais, será que existe este tempo, este sentimento? O jovem de hoje chama um amigo para tocar piano em sua casa? Há um Assis Brasil dando sopa para tocar piano só pra você?  Um Jorge Henrique, outro amigo que tocava excelentemente bem um piano, por aí?
            Será que tem um Luiz Carlos,   este ligado a esportes, nada de música. Na saída do colégio, invariavelmente, me levava para a casa dele para jogarmos bola e tênis de mesa, num amplo salão feito para ele praticar esportes. Depois, almoçávamos juntos, num belo companheirismo. Nunca mais senti o mesmo  gosto do suco de laranja  que nos era servido na hora do almoço.
            Existe ainda este tempo? Este timing, este feeling?           
            Este tempo mais longo  ainda está em mim. As músicas, as amizades boas, o doce de cupuaçu, cujo sabor  é inigualável. Sinto que preciso compensar essas ausências,  de alguma forma. Quando somos  criativos, sempre damos um jeito.  Não aprendi a tocar nenhum instrumento, mas posso pelo menos assobiar. Pra começar, dou o meu recital de homem assobiador.  Sonhando acordado, convido meus amigos de hoje, cariocas ou não. Mas aviso logo: " só tenho doce de leite para servir".                       Começo a assobiar Luzes da Ribalta...