O corpo desconhecido
Uma senhora passou mal no ônibus. Todos os passageiros se preocuparam com ela, inclusive o motorista que resolveu parar em frente um posto do corpo de bombeiros. Me compadeci. Levantei-me, peguei seus pertences e contive sentimentos de responsabilidade por aquela senhora que não conhecia. Pensei em minha mãe. Quando estávamos descendo do ônibus, ouvi aplausos (que não houve realmente) por minha atitude, mas também julguei ouvir repressões de suspeitas de que eu aproveitaria da situação delicada daquela senhora. Descemos. Rapidamente entramos numa ambulância. Sirene ligada. Chegamos ao hospital. Entreguei seus documentos e preenchi sua ficha no balcão de atendimento, enquanto estava sendo acompanhada pelo médico. Não demorou muito. Já estava medicada e esperando o responsável-desconhecido. Pensei em minha mãe. Quando a senhora se recuperou, agradeceu-me o gesto. Eu a acompanhei até o ponto de ônibus mais próximo e nos separamos.
Enquanto ela ia desaparecendo do meu campo de visão, também ia desaparecendo sua fisionomia da minha lembrança e sendo substituído pela imagem da minha mãe. Se aquela senhora passar por mim novamente, não a reconhecerei. Trago na memória minha mãe nitidamente no corpo desconhecido daquela senhora e, quem sabe, também ela me tivesse reconhecido como um filho seu no corpo desconhecido de um rapaz.