OS PRATOS NO VARAL
Jorge Linhaça
24/out/2007
Ocorre-me hoje uma frase bem popular e que , por ser popular, carrega em si muita verdade,mas ao mesmo tempo, por ser tão corriqueira, raramente nos damos conta de analisá-la com profundidade.
"Cuspiu no prato em que comeu! "
É claro, em um primeiro momento, que a frase se refere à ingratidão demonstrada pelas pessoas contra alguém ou a alguma instituição.
Talvez a frase seja usada para demonstrar o quanto alguém pode sentir-se usado em um relacionamento, seja ele de que tipo for:
Numa relação amorosa; numa relação profissional; de amizade; etc.
O fato é que nós muitas vezes nos sentimos como os pratos...cuspidos e descartados quando nossa "utilidade" chega ao fim.
Outras vezes somos acusados, as vezes com razão, em outras não, de sermos o cuspe que atinge o prato. Com o tempo passamos a perceber que nossos papéis se alternam nessa disputa entre o cuspe e o prato.
Qualquer ruptura de relacionamento há de ter dois lados da mesma questão...cada qual há de sentir-se prato e atribuir ao outro o papel de cuspe...raramente fica claro para qualquer dos envolvidos ou espectadores quem atirou a primeira pedra, ou melhor, quem deu a primeira cusparada.
O fato é que , quando o catarro atinge o prato de fulano, passa a atuar uma lei da física que diz que a toda ação corresponde uma reação de igual força e intensidade, assim sendo, seja por defesa de seu território, ( ou no caso, de seu prato), seja por seu próprio sentimento de mágoa , fulano normalmente revida a cusparada no prato de sicrano...
O que fazer então nessa guerra de cusparadas? Silenciar? Reunir a maior quantidade de catarro possível? Não sei se existe uma única resposta, cada um tem seus próprios paradigmas de vida, ou seja cada um tem a sua própria visão de como deve agir em cada momento.
Quem silencia pode achar que está evitando polêmicas desnecessárias, mas ao mesmo tempo, se apenas o faz para fugir ao debate da questão e escondido por trás de uma aparente mudez cospe em outros ouvidos que é um pobre prato agredido e injustiçado, apenas reforça o seu papel de vítima buscando assim resguardar-se de dar explicações sobre o ocorrido de modo que possa ser contestado.
Por outro lado, quem reúne a maior quantidade de catarro possível para atingir o prato de outro, embora paradoxalmente jogue mais limpo que o primeiro, acaba por se expor a críticas ácidas por parte de quem não quer ouvir ou aceitar a sua versão, por mais embasada que ela seja em fatos concretos.
Lavar os pratos é o verdadeiro desafio que se apresenta nessa questão:
Como limpar os escarros lançados alternadamente nos pratos dos envolvidos?
Bem, eu acredito que isso é mais fácil de se realizar quando existe boa vontade de ambas as partes em resolver a questão o mais prontamente possível, antes que o muco se impregne e seque sobre a louça. Ainda que as posições sejam mantidas por fulano ou beltrano, o debate da questão sempre serve para aclarar as motivações de cada um.
Às vezes uma das partes busca o entendimento ou o esclarecimento das questões, enquanto a outra silencia em seu canto...essa diferença de comportamento obviamente afasta o diálogo e, uma questão que poderia ser resolvida co um pouco de boa vontade de ambas as partes, perpetua-se em ecos ao correr do tempo.
Pode-se lavar os próprios pratos e deixar que o outro aja da mesma maneira, mas isso não resolve a questão...sempre ficará na memória o sentimento de asco com o catarro que foi retirado do seu próprio prato, e obviamente sempre haverá a questão de que " quem cala consente e assume a culpa". Quem foge a uma solução, evita o diálogo, e se esconde por trás da máscara de uma aparente superioridade apenas perpetua as rusgas. Existe uma citação empregada pelos advogados em muitos casos, de que: " mais vale um mau acordo do que uma boa demanda".
Eu de minha parte prefiro lavar os pratos e, errado ou não, ai depende do ponto de vista, pendura-los no varal para secar, deixando que o sol atue como anti-séptico natural para eliminar as bactérias que porventura resistiram à ação da água e do detergente.
Claro que há os que apenas passam uma toalha de papel descartável para retirar o muco acumulado no prato e o escondem no meio de outros contaminando-os , assim como há aqueles que se iludem achando que descartar o prato é a melhor solução para qualquer problema.
Qual dessas soluções é a melhor?
Sinceramente não sei, a única coisa que me ocorre é que, quando as coisas são feitas às claras sem medo de errar ou acertar, é mais fácil solucionar problemas de diferenças de opinião, quando, no entanto, se opta pela obscuridade das ações, em conchavos secretos, apenas se perpetuam e aumentam as distâncias de opinião e os mal entendidos.
Então...vamos lavar e secar nossos pratos ou deixar que o mofo tome conta deles para que os exibamos como troféus pelo resto de nossas vidas?