Minha mãe FEZ 80 anos.

Eu disse essas coisas a ela no dia do seu aniversário, para que outro não fizesse isso, ou até eu mesma, quando ela já não pudesse ouvir.

“– Essa velhinha é tudo. É meu chão, minha raiz.

Amo você, mainha,....desde que nasci.

Muitas vezes chorei por não ter o seu colo, mas também engoli choro quando recebi a ordem de que nem sempre as coisas são como queremos. Tenho compartilhado contigo os seus, os meus, os nossos melhores e às vezes nem tão melhores momentos.

Eu lembro que ao me mudar para Campo Grande, podia ouvir sem estar presente as conversas e as risadas na hora do café com bolo ou pãozinho do Pedreira. Acho que a última vez que comi empada de camarão foi numa dessas tardes de sábado. A cozinha da vó sempre foi o melhor lugar da casa, principalmente no dia que tem bolo de mandioca.

Certa vez eu li o pensamento de uma poetisa, no qual ela defende a idéia de que as fotografias deveriam ser guardadas sem ordem, fora de álbuns, pois no nosso cérebro não há um mundo organizado de lembranças. Por coincidência, há um mês, no feriado de outubro, vi a foto da linda jovem que um dia casou com meu pai e observando a gaveta das memórias, percebi que a maturidade a transformou numa pérola barok - com imperfeições, porém lapidada às situações que a vida lhe proporcionou.

Deus, ao escrever sua história no livro da vida proporcionou a Senhora oportunidades de construir no seu coração um universo de sabedoria e aproveitá-las para construir um legado de caráter e de verdade para seus filhos, netos, bisnetos e quem sabe tataranetos. Tenho acompanhado o registro desta história, com consciência dos fatos, há mais ou menos 45 anos, porque até os cinco anos não me lembro muito bem das coisas. No início, quando não entendia da vida, cheguei até a julgar o enredo e as ações da protagonista. Hoje, penso que não saberia nada, se não tivesse a senhora como meu esteio, minha âncora, meu aconchego.

No meu subconsciente, cada detalhe do nosso convívio é memória viva muito valorizada para a construção da mulher que hoje eu sou. Creio que ao ficar sem falar comigo – quase uma semana, porque a professora primária escreveu no meu caderno que não fiz a lição de casa – compensou, pois adquiri responsabilidade; quando me bateu, me disse nas subliminares que agia certo para que não me desviasse; ao exigir que fizesse a oração “Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina, me rege, me guarde, me ilumine. Amém”, toda noite, era para que eu não esquecesse que existe um PAI que me ama acima de qualquer obstáculo; quando exigiu que a chamasse de Senhora, mesmo que intencionalmente, era porque a educação em casa deveria se refletir no meu futuro imprevisto. Ahhh.... quando não me deixava sair sozinha com o José, era porque, com toda sabedoria, impunha limites na minha insensatez de menina.

A sua vida, D.Zinha, deu muitas voltas.... e que voltas: De filha de fazendeiro e prefeito – que tem até rua com o nome dele – à retirante; do chinelo de dedo, que se gastava no terreiro do Dorotéia, ao Usaflex que caminha pelas ruas de Itu, já não em pés tão firmes como antes, mas com a segurança que por muitas vezes lhe faltou quando mais jovem. Muitas noites, mainha, você não dormiu pois: Joísia estava com dor de dente; Sônia com frio; César que foi atropelado; Célia que não chegava... Passam os anos, passa boi, passa boiada, e os filhos continuam tirando seu sono; um vai para longe; outro atropela a vida; outro compartilha seu choro, e por aí vai. Como se não bastasse, há os netos, bisnetos, genros e noras que também geram preocupações: os que vão para longe; a que sai de casa de madrugada para trabalhar; os que não têm apetite; aquele que é atropelado andando de bicicleta no condomínio; e todos os outros que nasceram e nascerão para que os seus neurônios continuem ativos. Haja oração ......

Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, cuida da nossa mainha, pois ela cuida de todos nós. Amém.

Eu, toda a família e amigos desejam à Senhora UM FELIZ ANIVERSÁRIO. Nós te amamos muito.”

Joisia Goes
Enviado por Joisia Goes em 23/01/2012
Código do texto: T3457084
Classificação de conteúdo: seguro