PROSA HERMÉTICA
Ao ler certos textos, ao escutar homilias, ao participar em colóquios literários, fico muitas vezes a pensar, se os leitores ou ouvintes, conseguiram digerir o que se leu ou se disse.
Porque muito que se escreve, no nosso país, está revestido de espessa e rígida couraça, e é opaco como torre de marfim.
O mesmo hermetismo encontra-se nas explanações de professores e infelizmente em práticas de sacerdotes, mais desejosos a esmagarem com o peso do seu saber, do que tornar acessível a matéria espraiada.
Turva-se a água ao usar dicção rebuscada, rodriguinhos, frases obscuras, prosa apocalíptica, no intento a ofuscar e amesquinhar o leitor ou ouvinte.
Citar textos em latim, empregar arcaísmos ou neologismos, para arrancar aplauso, não é digno, a meu ver, de quem escreve ou ensina.
O vulgo, na sua bacoquice, exalta a prosa ilegível e oca, assim como aceita a arte, que não sendo Arte, nada transmite e nada diz.
Como não quer mostrar ignorância, comporta-se como os cidadãos do reino em que o monarca caminhava seminu pelas ruas da capital, e declara enfatuado, sacudindo solenemente a cabeça:
- É bom! …É óptimo! … É excelente! …
Estando em clube portuense a escutar famoso pianista, presenciei o diálogo travado entre dois cavalheiros. Dizia um, idoso, sisudo, esguio como Eça, dentro de bom fato azul-ferrete:
- Você já reparou que quando se ensina filosofia, poucos a entendem; mas se lermos os filósofos - os verdadeiros, - em regra são claros e límpidos como água colhida na fonte!?
Não aceito que os professores de Filosofia sejam sensaborões. Tive um excelente, e era uma delícia ouvi-lo; mas concordo que muitas vezes é mais fácil ler os textos de filósofos, que escutar certos professores e eruditos, a dissertar sobre os mesmos textos.
Há tendência a “turvar a água”, como dizia Nietzsche, a tudo que é didáctico e cultural, “ para que pareça profunda”.
Assim é, porque não se tem coragem de asseverar que não se entendeu, para não se ser julgado de ignorante.
Nunca escutei, da boca de quem saiu do teatro, exposição de Arte ou conferência, que não entendeu patavina.
Do mesmo jeito nunca se diz que não se conhece obra-prima ou que está a ler um clássico; porque o “intelectual” não lê mestre de literatura, releu-o.
Conhecendo a psicologia das massas, certos escritores, mormente novatos, “turvam” a prosa, enxameiam-na de palavras inúteis, citações em língua estranha, introduzindo, a cada passo, siglas, neologismos e termos técnicos e, ao tornarem-se obscuros, o vulgo louva-os e considera-os excepcionais.
Assim vai o mundo, enganando-nos uns aos outros, e rindo-se dos mais simples.