A Lei Seca e meu pangaré
Itamaury Teles (*)
É natural que o Brasil, jovem país de pouco mais de 500 anos, de vez em quando copie ideia dos países considerados mais desenvolvidos. Não se pode aceitar, todavia, seja a cópia pior que a idéia original, pois tempo sempre há para melhorá-la.
A Lei Seca, que proíbe a direção de veículos automotores sob o estado de embriaguês, é um exemplo disso. A emenda aqui ficou pior que o soneto, por não serem ponderadas as condições alternativas oferecidas em cada país.
No Brasil, sabemos bem, a nossa Lei Seca tupiniquim surgiu de um descuido. Inseriram um artigo, sorrateiramente, na lei que proibia a comercialização e o consumo de bebidas nas estradas, e o resultado atingiu a todos, de supetão. A proibição, que seria apenas para as rodovias, foi estendida às cidades, colhendo muitos parlamentares de surpresa. Quem não se lembra desse fato?
Interessante no episódio é que a sociedade brasileira, de uma maneira geral, aprovou a medida, mas o poder público, que pariu “o Mateus”, não sabe como embalá-lo. Não há fiscalização alguma na maior parte do território nacional, e tudo ficou como dantes, no quartel de Abrantes. É mais uma lei natimorta, embora de vez em quando apanhe um inimigo...
A novidade agora é que o Senado Federal, por meio de sua Comissão de Constituição e Justiça, acaba de aprovar projeto de lei que torna mais rígidas as punições contra quem dirigir alcoolizado ou sob efeito de drogas. Pela proposta, dirigir nessas condições será considerado crime e pode resultar em prisão no Brasil. Depende ainda de aprovação na Câmara, já que teve origem no Senado.
Andei pesquisando as leis antiálcool nos países desenvolvidos e percebi algo bastante interessante: as leis deles são mais flexíveis que a brasileira. Enquanto no Brasil quem dirigir com mais de seis decigramas de álcool por litro de sangue é passível de ser preso em flagrante, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa nem sequer são importunados. E mais: nesses países, o cidadão tem à sua disposição todo um sistema eficiente de transporte coletivo, para permitir que ele volte para casa em segurança e a um baixo custo. Aqui, não. A propaganda é no sentido de que, se bebermos, voltemos para casa de táxi, opção de transporte caro e que desaparece ao primeiro sinal de chuva nas cidades. Ônibus, só de vez em quando, fora do horário, lotado. Metrô? Deixa pra lá...
Mesmo assim, nossa lei está entre as mais rigorosas do mundo, graças à insensibilidade dos nossos representantes no Congresso Nacional. Talvez porque sejam regiamente bem pagos, podem contratar motoristas particulares para usufruir do seu direito constitucional de ir e vir, sem serem importunados.
Como nós outros, cidadãos comuns, não temos cacife para tanto, ficamos matutando alternativas nas mesas dos botequins. A mais comum é passar a beber em bares próximos à residência e voltar a pé. Se impossível, sair em turma e, em rodízio, um fica sem beber, para transportar os demais de carro.
Foi diante dessas elucubrações que me ocorreu uma idéia, que busquei nos recônditos da minha memória. Aos sábados, em Porteirinha, muito me aprazia ver os trabalhadores rurais retornarem às suas fazendas, depois da feira semanal, montados em seus cavalos. Muitos, embriagados, eram ajudados até para subir em suas montarias. Todos sabiam que, ali aboletado – e quase dormindo agarrado no pescoço do animal -, aquele cidadão chegaria incólume à sua residência. Como os pombos-correios, os cavalos sabiam, de cor e salteado, como voltar para casa...
É por isso que eu – apreciador de uma prosa com os amigos, regada à cerveja gelada e tira-gostos – venho pensando seriamente em comprar um pangaré para mim. É a saída que vislumbro para me ver livre de bafômetros, multas e prisões.
Só não posso é cair do cavalo...
(*) Escritor e jornalista
e-mail: itamaury@hotmail.com