DDD - Diário de Derrotas [18]
01h14m
Tenho exatamente quatro horas e um minuto pra dormir. E, mesmo com o corpo destruído de um dia cansativo, estou sem sono. Mesmo depois de toda a cerveja e toda a pizza que consumimos. Ela se jogou na cama e está dormindo de sapato, e por mais de cinco vezes tentei acordá-la, sendo que na última meu orifício anal foi confundido com copo.
Se é que vocês me entendem.
E minhas costas doem demais.
04h45
O pequeno acorda dando chutes na cama e clamando por leite. Olhei o relógio, e não sei como não me senti miserável com o pouco de tempo dormido e com a meia hora restante a ser dormida. E com um dia terrível inteirinho a ser vivido na vertical logo ali, no horizonte desse verão de fim dos tempos...
06h40m
O resumo da ópera: eu precisava levantar às cinco e quinze pra ir pra minha casa, dormir um pouco, comer, tomar banho e ir trabalhar - tudo isso porque eu não tinha me precavido no dia interior para uma noitada fora de casa. Eu precisava trocar de camiseta. E de cueca também. Aí estávamos tão derrotados que foi das cinco e meia até agora, seis e quarenta e cinco, no soneca dos dois celulares. Se eu for pra casa, vou me atrasar demais. Se eu ir direto daqui, irei atrasá-la, e de quebra terei que gastar com roupa logo cedo.
07h30m
Estamos na plataforma do trem, e o dito cujo está vindo. Para nossa surpresa, há bastante lugar vago nos primeiros vagões. Trocamos um olhar de "nem nos fodemos tanto assim, afinal", e ficamos naquela tensão que precede a parada do comboio e a abertura das portas.
Nós, e as outras trinta pessoas que estão ao nosso redor; todas sequiosas por repousar o rabo num banco, dispostas a matar se for preciso.
07h35m
Conseguimos sentar. O vento que entra pela janela dá uma melhorada na minha menopausa. O ar fresco da manhã me propicia uma sensação gostosa, de quase paz. Dá vontade de dar uma cochiladinha gostosa...
07h40m
Bom, o trem tem lá as suas vinte composições, com quatro portas em cada uma delas - somando aí um total de oitenta possibilidades de portas a serem escolhidas -, e foi bem na porta que está na minha frente que resolveram entrar TRÊS grávidas.
O banco ao nosso lado é preferencial, e uma velha que havia acabado de sentar cedeu o lugar pra grávida, puta da vida; uma outra moça cedeu o lugar pra outra grávida.
Durou um segundo. Ou dois.
As pessoas que estavam sentadas ao redor de repente ficaram cegas, surdas, mudas e sonolentas, fechando os olhos ou então depositando uma concentração gritantemente fingida em livros ou em celulares. Principalmente os filhos da puta que estavam nos assentos preferenciais.
Sobrou pra mim.
E minha garota está aqui, nesse banco com três grávidas.
Engulo em seco de repente, sem saber por quê.
09h00m
Como eu estava de regata, tive que colocar uma blusa. De lã. E eu odeio calor, e está calor dentro dessa blusa. A Hering ainda não abriu.
Imprimo os extratos de sempre e tento me lembrar o que está pendente. Apesar de não conseguir me lembrar com clareza, sei que é coisa pra caralho.
Não sei que horas sairei daqui hoje.
Coloco um chá no microondas e desço na Hering.
09h10m
Essa vendedora é bem jeitosinha. Mas estou puto com ela: entrei atrás da camiseta mais básica e barata possível, ela me mostrou, escolhi, e quando cheguei no caixa, a caixa anuncia um preço que é o dobro do que eu pretendia pagar.
- Mas não tem mais daquelas de vinte reais?
- Tem sim, mas essa daqui é de um tecido especial.
- Mas ela custa o dobro.
- Então, é que esse tecido...
FODA-SE O TECIDO, CACETE!
- Onde que estão as de vinte? - Eu corto.
- Ali. - E aponta.
- Tem cueca?
- Tem também.
- Ah. - E olho, achando tudo muito caro.
Saio de lá com a camiseta já no corpo e vou até o Extra e compro uma cueca. Outra. A quarta da mesma cor, do mesmo tamanho.
Nove e meia da manhã e eu já quase trinta reais mais pobre.
12h45m
E do nada eu me fodi. O dia já não está sendo dos melhores com todo esse acúmulo de funções, e ainda recebo um e-mail que não entendo patavinas; entendo apenas o suficiente pra perceber que uma grana a receber que é a soma de todos os salários que eu já recebi na vida (antes dos devidos descontos em folha) está sob a minha responsabilidade.
13h10m
Estou tentando comer. As pessoas me convidam pra almoçar no McDonald's como se eu não tivesse amor à minha vida. Hoje também não estou a fim de ser certinho com a minha alimentação e pagar os vinte reais pra comer à vontade no Aspargus, portanto, vim num boteco de pratos rápidos e cheios de salitre que me matam de azia umas duas horas depois que como.
14h15m
Mal acabo de entrar e já sou avisado que uma das sócias está atrás de mim, bem como uma ou duas advogadas desesperadas com seus prazos fatais e blablablá ad infinitum.
A maneira que encontro pra não entrar em desespero é pensar que todas elas me amam de maneira incondicional, que me tem como um funcionário único.
14h30m
Só más notícias. Uma sucessão delas.
Estou lidando com valores exorbitantes e com uma pessoa que não conheço, que não sei onde fica locada, que não atende o telefone e não responde meu e-mail e que ninguém sabe do paradeiro. E os minutos continuam passando, com cada giro do ponteiro apertando a corda no meu pescoço.
16h10m
Não estou feliz. Estou indo ao Tatuapé - que fica a meia hora da minha casa - levar uma documentação no centro administrativo do banco, e tenho que correr para que eu não dê de cara com as portas fechadas - ou então seja barrado no baile nas vans que eles disponibilizam para os funcionários no Metrô. O foda dessa merda é que eu entrego o documento em cinco segundos e depois faço o trajeto de volta até o escritório, pra passar uma hora lá dentro e ter que voltar uma hora e meia até em casa. E tudo isso não é feito dentro de um helicóptero, só eu e o piloto mudo; não, é pegando trem e metrô e fazendo baldeação e agüentando ladainhas e fedor e calor - e pagando, ainda por cima.
17h00m
Cheguei de volta. No início do dia eu tinha lá minhas pretensões de ficar até tarde e zerar tudo, mas agora eu quero é mais. Sequer lembro o que tenho que fazer.
Uns comprovantes pendentes ali.
Uns créditos desconhecidos pendentes ali.
Vou fazendo o que eu lembro, sem pressa, prestando atenção aos detalhes.
Pra não errar de novo.
Que nem na terça-feira, que fui liberado pra ir entregar os documentos lá e de lá ir pra casa: tirei três cópias de setenta e duas notas e só na quarta-feira fui perceber que esqueci de fazer o principal: bater o carimbo de LIQUIDADAS.
Tive que fazer tudo de novo.
Quatro calhamaços de setenta e duas notas para organizar por ordem de numeração e/ou de crédito na conta.
E dobrar um dos calhamaços na metade. Folha por folha.
Dobra: um. Dobra: dois.
Organiza. Confere.
Repita isso. De novo.
Por mais setenta e uma vezes.
Eis minha vida.
18h30m
Depois de meia hora de letargia diante de uma tela do Word, estou saindo do prédio. Se eu for de trem, chego rápido. Mas tem todo aquele mar de gente. Se eu for de ônibus, sei lá. Mas pelo menos vou dormindo até que a bunda comece a coçar, ou a ficar dormente, ou quadrada, ou tudo junto misturado à baba escorrendo pelo queixo e pingando nas costas da mão como sempre acontece.
18h43m
Passei na bomboniére e comprei um chocolate de fresco. Nem sei o porquê da viadagem, já que nem de chocolate eu sou fã. Talvez eu esteja querendo acrescentar mais gordura nessa minha barriguinha de chopp do caralho; essa fonte de depressão e de sonhos de "amanhã vou acordar cedo e correr e fazer abdominal e voltar a ter a barriga de tanquinho de dois anos atrás"; porra nenhuma.
18h50m
Às vezes eu tenho dó de mim mesmo... Um ônibus surgiu no horizonte, me fez alargar um baita sorriso - já que eu tinha acabado de chegar no ponto - e o motorista, o filho de uma rapariga do motorista, esqueceu de trocar o letreiro do ônibus e isso acabou confundindo tanto eu como o outro rapaz que estava no ponto; na dúvida, como as luzes da barca estavam apagadas, não demos sinal. E quando o ônibus passou por nós, lá estavam os passageiros de sempre, nos bancos de sempre.
19h10m
Ainda estou no ponto.
19h20m
Ainda.
19h30m
Idem.
19h40m
Já vi Camaro, Sportage e uns dez i30 passando velozes. O tempo mudou e bate um vento frio. O cara que estava comigo acabou de ir super chateado.
Eu continuo no ponto, me fiando a não sei que esperança...
19h55m
É isso: estou a caminho do metrô. Se eu tivesse feito isso antes, a essa altura já estaria em casa, de cueca (nova) e bebendo cerveja, curtindo essa dor nas costas e tal.
20h17m
Na plataforma da Luz é sempre a mesma ladainha; basicamente isto daqui:
http://2.bp.blogspot.com/-sOfKPZwPsnU/Ts0qTQz-awI/AAAAAAAAHL8/noU0PID28dM/s1600/andando-de-trem.jpg
Todos os dias.
20h18m
Fui me enfiar num canto e tomei cotovelada de uma velha.
Fui encostar no final do vagão - numa parte que tem uma porta que liga um vagão a outro, mas que não abre - e aconteceu o seguinte: o cidadão chegou em mim e falou:
- Vai um pouquinho mais pra lá, irmão?
Fui um pouquinho mais pra lá, aí ele foi sentando no chão, e ocupando todo o espaço que eu cedi e mais um pouco, chegando a sentar no meu tênis.
Tudo bem.
Porém, não obstante, subiu um cheiro que parece ter saído do cu suado do capeta; algo como um funcionário dos esgotos que há duas semanas não toma banho e/ou troca de roupa que tem como bicho de estimação um gambá.
Tudo bem, também.
20h47m
Não sei o que me deu na cabeça, mas ao invés de ir pro ponto amargar na lotação, entrei no Shopping Itaquera e estou atrás de um McDonald's. Sei que vou gastar mais do que deveria, sei que qualquer coisa que eu comer não será tão boa quanto a memória do meu paladar, sei que, inclusive, qualquer coisa que eu comer vai me fazer ir dormir choramingando de tanta azia - mas vou atrás da merda de um pão safado com hambúrguer suspeito manuseado por funcionários que ganham uma ninharia pra ficar suando frio diante de uma chapa quente, com toda a hostilidade possível não sendo absorvida pelos extrusores das chapas.
21h05m
Depois de muito passar raiva na fila com umas raparigas cacarejando alto demais e depois procurando um lugar livre, estou comendo o final do lanche com certa repulsa. Porque além de ele estar sem gosto, da batata não ter gosto de batata, e da Coca Cola ter gosto de mero xarope, tem um MENDIGO do meu lado enchendo o saco, enfiando um papel com garranchos na cara do cara da outra mesa, e um fedor indizível está espancando meu pobre septo furado.
21h21m
Bom, estou na lotação. Acabei de perceber que estou fedendo a fritura. E não é pouco.
21h40m
Ambição: chegar em casa. (via @procrastino)
21h55m
Eu vou me aproximando de casa já ensaiando uma dúzia de palavrões e discursos pra expulsar os amigos do meu irmão (pra variar) e sentindo um desgosto tremendo amalgamado à derrota pendurada no meu cangote feito meretriz.
O engraçado é que quando chego e está tudo em ordem (casa ocupada somente pelos que nela habitam), fico um pouco decepcionado.
01h16m
Acabei com as latinhas de cerveja que comprei no ano novo agora. E também com a barra de chocolate.
Depois eu malho.
20/01/2012
Rise Against - Swing Life Away