Acentos de acentuar, hífens e tremas

De todas as reformas que precisamos em nosso país, a menos necessária, na opinião dessa humilde admiradora de nossa língua pátria, era a ortográfica. Eu, que antes me expressava sem medo, pois a leitura constante me rendeu alguma intimidade - mais com as palavras que com a gramática, confesso - agora sinto-me marginalizada pelas novas regras de acentuação. Não sei mais onde colocar os acentos, e pior, onde não colocar. Tão grande é a agonia que até os assentos de minha sala de estar já não me parecem corretos onde estão.

- O importante é ter onde sentar... - disse a solícita diarista, percebendo meu mal estar sem motivo aparente. O que resolveu parcialmente a situação: decidi pecar pelo excesso mais do que pela falta, e continuar acentuando - e me sentando - onde aprendi que era certo e seguro, até pra fazer justiça á boa professora Therezinha, que tanto se esforçou para nos ensinar onde colocar os acentos e os traseiros, repassando tantas vezes aquelas regras que, assim como quase tudo na vida, só faziam sentido na prática. Ou nas proparoxítonas. Nem todos aprenderam, mas ela fez sua parte.

Situação parcialmente resolvida, eu já meio que me conformava com o fato, embora ele ainda me parecesse (conforme minha filha classificou) "bizarro", uma vez que transformei meu orgulho pela grafia correta num orgulho subversivo de resistência. Mas o mal estar continuava, e eu não sabia se ele tinha ou não o hífen que costumava ter nos áureos tempos onde o idioma brasileiro corretamente grafado era um dos poucos padrões que trespassavam, de norte a sul, esse impávido colosso. A diarista não me socorreu, pois não sabia o que era hífen.

- Mas pra quê se preocupar com isso? - ela saiu falando. Ela não entendia que essa era a tábua na qual eu me apoiava para não afundar durante as enchentes virtuais de palavras novas. Refleti, talvez para minimizar o sofrimento, que em tempos de "internetez", é preciso exercitar com muita freqüência a flexibilidade, inclusive lingüística. E vice versa (com hífen?). Ou não. Embora eu já não saiba se freqüência e lingüística ainda tenham trema, leitores, tremei: decidi continuar escrevendo como antes da reforma, em nome de minha já precária sanidade mental. E hífens, tremas e acentos não irão irritar a esforçada professora Therezinha, que já tem que lidar com anomalias como "voçe" (você), "açacino" (assassino) e possão (essa eu não sei se queria dizer poção ou porção, mas tudo bem), anomalias essas que também me dão nos nervos, tenho que confessar. Sim, eu também as vejo, navego pela internet e sigo o trem bala da História, esteja ele com ou sem hífen. Tenho essa alma errática e subversiva. Minha filha se orgulha (eu acho), pois diz que sou "irada".

- É, desde que tinha sua idade, eu sempre fui "prafrentex" - comentei com ela.

- E o que é "prafrentex", mãe?

Parei pra pensar no que responder. Será que hoje seria "pra frentex"? Ou talvez "pra-frentex"? Será que hoje alguém em sã consciência usaria esse termo? Mas era tarde. Ela ficou rindo, queria saber o que era.

- Aposto que é uma dessas suas gírias tipo pré históricas...

- Vá perguntar pra sua avó! Literalmente! Essa eu aprendi com ela...

Minha filha é esperta e me ensina muitas coisas novas. Espero que ela também aprenda alguma coisa comigo... tipo, por exemplo, escrever corretamente...

Será que pré histórico tem hífen???

Alessandra Barros
Enviado por Alessandra Barros em 21/01/2012
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