O DIA EM QUE MORRI...

Sempre gostei demais do Carnaval de Salvador, lá nos meus 20 anos não perdia um dia sequer, de sábado até terça-feira saia em vários blocos de dia e ainda freqüentava as festas de Clubes à noite. Nesse período minha família viajava e eu ficava sozinho em casa, minha saudosa mãe fazia comida para vários dias eu ia utilizando os pratos, copos, talheres e colocando na pia da cozinha, só lavava tudo na quarta-feira de cinzas.

Era uma verdadeira maratona, pois dez horas da manhã já estava na rua curtindo os blocos, voltava para casa as oito ou nove da noite e meia-noite ia para o Clube onde a festa rolava até as quatro da manhã. O certo é que devia dormir umas três ou quatro horas por dia, mas feliz da vida.

Numa dessas, na quarta-feira de cinzas, depois de toda essa odisséia carnavalesca, ao meio dia bate a minha porta o pai de um grande amigo meu, desesperado tentando conseguir doadores de sangue para sua irmã que se encontrava na UTI entre a vida e a morte. Diante dA aflição do velho e amigo senhor, me deixei levar pela emoção e o acompanhei com outro colega até um Centro de doação de sangue.

Lá chegando nada me perguntaram e foram imediatamente espetando meu braço e começando a sangria desatada, olhei de lado e vi um grande frasco de vidro se enchendo de sangue, em poucos minutos comecei a passar mal, tentava falar e não conseguia, o colega do lado que também estava doando sangue gritou chamando a enfermeira. Eu assistia a tudo sem conseguir esboçar reação, a vista ficou turva, os dentes e todos os músculos travaram, ouvi a enfermeira gritar:

- Ai meu Deus! Ele tá em choque!

Rapidamente ela virou a cadeira e fiquei de pernas pro ar. Alguém gritou pelo médico, em instantes chegou uma médica e pediu para trazerem uma ampola de alguma coisa que não entendi direito. A enfermeira respondeu que não tinha no Centro.

- Dá café pra ele, grita outro.

Tentavam, em vão, enfiar café na minha boca! Davam tapas em meu rosto e braços, eu tentava sair daquele torpor sem conseguir, a situação piorando, uma sensação de desespero, até que de repente desisti ou cansei de lutar, não sei, tudo foi ficando em silencio e escurecendo, comecei a enxergar apenas uma luz forte e como num filme a minha vida disparou a passar na minha frente, cenas da infância, da juventude, da família, amigos, tudo muito rápido, mas tranquilo, então pensei comigo:

- Estou indo embora! Não verei mais a família nem os amigos, estava me conformando com o final.

Também de repente uma voz internamente me falou:

- Não desista, lute para ficar, você tem muito a fazer ainda, muito a viver.

Aquilo me deu animo e fui pensando tenho que voltar, agora tenho que voltar, reagindo aos poucos comecei a escutar novamente as pessoas falando:

- A cor dele voltou, ele está acordando!

Não sei quanto tempo durou a agonia, consegui finalmente engolir o bendito café e despertei aos poucos todo rígido e tendo calafrios intermitentes.

O pai do colega que me levou para doar sangue tinha saído para comprar a tal injeção que logo me aplicaram. Voltei completamente a mim a médica disse que tive fadiga muscular, pela exaustão do carnaval combinado com a perda de sangue. Não sei o que ocorreu realmente, saí do centro totalmente grogue, levei ainda alguns dias tendo calafrios e preocupado com o ocorrido, jurei que nunca mais doaria sangue a ninguém.

Depois li e ouvi relatos parecidos com o que me aconteceu, pessoas que estiveram perto da morte relatam algo parecido ou terá sido apenas meu estado de inconsciência?

Paulo Melo
Enviado por Paulo Melo em 19/01/2012
Código do texto: T3449911
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