Um Andarilho Solitário, o Cheiro do Mato e o Araponga.
Quem não experimentou o cenário indescritível de uma estrada deserta, no meio de uma mata serrada, depois de uma chuva, onde apenas você passa, andando a pé sobre uma trilha verde, pisando no chão úmido, quando a areia ainda está meio amarelada pelo contraste entre a sua cor natural e as gotículas de água que se misturam com os seus miúdos grãozinhos, tornando-se uma massa compacta que assinala as pegadas do calçado daquele único ser que, naquele momento, tem o privilégio de ouvir um barulho infinitamente oposto àquele que se vê no meio urbano.
É ali, naquele cenário simples, que se vêem as flores com os respingos daquelas águas que há pouco tinham molhado seu caule. Nesses contrates de sentimentos, também se observa os pássaros (nas mais diversas) espécies, dando vôos rasantes sobre a relva molhada em busca de insetos, onde os grilos entoam cânticos estridentes e tão agudos que penetram com intensidade em nosso senso auditivo. O sapo entoa seus acordes graves e tão intensos que se misturam numa sinfonia pluralista de atos contínuos da imensidão da mata.
Nesse momento, o mundo fica tão puro. O olhar atento do andarilho depara com uma pegada recente na estrada. Trata-se de um bicho indefinido que por ali passou de um extremo a outro à procura da sua presa. Ao alto, notam-se as lindas árvores que crescem no sentido vertical à procura dos raios de sol como se fossem gigantes eretos que buscam alcançar as nuvens. No meio delas, entre os entreveros das suas folhas, a existência de frutos silvestres que formam um chamariz de maritacas, sanhaços, bem-te-vis, pombas, papagaios, araras, etc. Aquela folhagem balança ao vento e teima em recepcionar esse andarilho solitário com gotículas geladas em sua cabeça e em todo seu corpo.
E o cheiro gostoso de terra molhada! Algo inigualável no mundo de concreto armado. Sentindo esse cheirinho de mata virgem, o homem solitário reduziu seus passos num gesto natural. Queria tatear uma folha larga de verde-oliva que exibia um brilho estonteante. Era uma silhueta comprida, mas que em razão da sua extensão sedia ante o seu peso, mas tentava se segurar no próprio chão. A contemplação daquela folha é como se fosse uma constatação da vida, visto que uma simples folha, no meio a tanta outras, brigava com o seu próprio peso para manter-se firme na sua posição e na sua condição de unidade, diante daquela parca estrutura rudimentar - o galho.
Refeito dessa observação momentânea o andarilho se refez da sua reflexão dando um suspiro demorado. Ele só queria filtrar aquele momento na sua mente e fazer dele uma lembrança perene, que poderia ser lembrada, constantemente, quando estivesse na sua selva de pedra. Nesse momento de esplendor, mais uma vez, sentiu o cheiro do mato penetrando no fundo de sua alma. Era algo inusitado e infinitamente humano que o fazia estremecer, pois não era um cheiro comum, era uma convulsão de vento que entrava nas suas narinas fazendo-o arrepiar ante a mistura de um odor indescritível, daqueles que mistura cheiro de areia molhada com o cheiro múltiplo das diversas espécies de plantas naturais, rendendo para si um raríssimo ato de respirar (de origem saudável) que não está disponível para qualquer pessoa que não esteja presente num cenário dessa grandeza.
De repente, lá no alto, sob a árvore mais distante escondia-se um pássaro misterioso que poucos já ouviram ou sentiram na sua inebriante sinfonia. Aquele homem começava a ouvir o som indelével do pássaro Campana (Araponga) - um pássaro nativo das matas tropicais – com o seu silvo esplendoroso que percorre com o vento por muitos quilômetros, como se fosse despedida dos seres que ainda permaneceriam freqüentando nosso Universo, pois ele – o pássaro - estava se extinguindo pelas mãos de pessoas inescrupulosas. Era o seu último cantar. Foi aquele homem solitário que o escutou pela última vez.
Era hora de se despedir da mãe natureza. Aquele ser privilegiado alcançou o final da trilha tendo a sensação que saiu de um túnel do tempo, amparado por um sonho único que lhe fez voltar ao passado, mas que ressoava indelével na memória como se fosse um alento para enfrentar sua realidade da selva de concreto, pois essa sensação só pode ser sentida por alguém muito sensível, já que se trata de uma emoção personalíssima que não pode ser simulada e nem repassada por alguém desatento e insensível.