INSTANTÂNEOS

 Outro dia eu vi um cãozinho feliz; um cãozinho novo, de um palmo e pouco de altura, talvez com três meses de idade.
 ...Seus olhos e focinho negros eram mostra da curiosidade de que era possuído: parecia "cheirar" à distância, enquanto as pessoas passavam diante daqueles olhos espertos; olhos que não se fixavam em ninguém, absolutamente ninguém; olhares que apenas se deitavam e escorriam sobre elas. 
 ...Era como o menino que, à janela do trem, não se apega às frações  da paisagem que, ligeiras, ficam para trás: vê árvores, vê casas, vê bezerros mamando... Vê, tão só, as figuras, distraído.
 Tentei desviar sua atenção: "Ei, Totó!"... De novo: "Ei, Totó!"... Mas não me deu bola. É possível que não se chamasse, ou não gostasse de ser chamado "Totó".
 Balançava o rabo numa ligeireza tal - tictac, tictac, tictac, tictac... - que todo o traseiro do corpo se movimentava como num rebolado. 
 ...De o que cheirava, de o que via àquela hora na rua, seu rabo refletia em forma de satisfação.
 ...Claro! Era um cãozinho feliz porque era bem tratado: encostadas à parede, perto dele, encontravam-se duas vasilhas novas, com ração e água.
 (...)
 Outro dia eu vi, também, um homenzinho triste. 
 ...Digo "homenzinho" por ele ser, realmente, franzino; franzino e magro; magro e pálido; pálido e anêmico: as pálpebras inferiores, arriadas, branquelas por dentro, acusavam a severa anemia. Seus olhos vazios expressavam... expressavam o quê?! Nada... É isto: expressavam coisa nenhuma!... Solidão, talvez... Amargura... Descasos sofridos na vida...
 Sentado no degrau de entrada dum prédio comercial (era domingo, o prédio estava fechado), acompanhava com o olhar os passantes, na esperança de sentir solidariedade.
 ...Era como alguém  que, parado na plataforma da estação vê os expressos passarem sem parar, sem que ninguém lhe acene um "até breve" ou "adeus"... sem que as janelas do trem se abram.
 ...E o homenzinho, com a mão esquerda, sacudia debilmente sua profunda tristeza, fazendo soar as poucas moedas: tchec, tchec, tchec, tchec...
 (...)
 Por fim, eu vi o cordão umbelical, a corda de nylon preta que ligava duas criaturas: numa ponta, o mendigo, segurando-a com a mão direita. Na outra, o cãozinho feliz, enlaçado pelo pescoço.
 (...)
 ...O cãozinho não tinha fome...

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Jan,18.2012