CAINDO A FICHA

          Ontem fui levar minha sogra à igreja. Ela queria acender uma vela e orar um pouco para um santo que não me lembro agora qual é. Eu, que havia muito tempo não pisava numa igreja, me prontifiquei a levá-la. Devido a idade, ela tem uma certa dificuldade em andar, por isso servi bem de apoio a ela e lá fomos de braços dados, em uma pequena subida até a igreja que fica numa praça, distante apenas um quarteirão. Seguimos falando sobre saúde, economia, projetos pro futuro - ela  geralmente pensa pra frente, daqui a cinco, dez, quinze anos - desviamos de um buraco na calçada aqui, de alguém que atravess na frente ali, e que não damos muita atenção por estarmos concentrados na conversa.

          Na igreja nos separamos e imediatamente sinto alguém se aproximando. Percebi que queria falar comigo. Olhando de relançe não
o reconheci e como fiquei receoso passei a evitá-lo. Minha sogra estava próxima a outras senhoras, me tranquilizei quanto a ela. Desvio aqui, passo entre os bancos, vou até a imagem de outro santo do outro lado, sigo pra outro; orar mesmo, nada. Com aquela movimentação toda não havia como fazer isso de verdade. Sentindo que não havia mais jeito, deixo que ele se aproxime.

     - Posso falar com o senhor? - diz ele se aproximando demais de mim.

     - Rapaz, eu gostaria de orar em paz - respondi dando um passo atrás.

     - Não presisa ter medo "não" moço. Só tô precisando de uma ajuda. Estou com um parente internado no Hospital Hélio Angotti
(Hospital do Câncer de Uberaba) e tô hospedado na pensão ao lado e estou sem recurso nenhum, sem condições de me manter aqui. Só estou pedindo uma colaboração, sei que é chato atrapalhar o sossego do senhor, mas não faria se não tivesse realmente necessitado.

          Dei dez reais a ele, confesso que ainda meio a contragosto, mais pra que ele me deixasse em paz. Naquele momento ainda não me
havia "caído a ficha".

          Minha sogra que já havia acendido sua vela e feito suas orações estava em pé ao lado de uma senhora e conversavam. Fui até
elas e pude ouvir o final da conversa.

     - Meu filho hoje ganha a liberdade, Graças a Deus! - estava chorando.

     - Tudo vai dar certo, a senhora vai ver - dizia minha sogra - Deus nunca nos abandona.

     - O que houve? - tentei me saber se podia ajudar de alguma forma.

     - Meu filho... tá "guardado", faz um ano e meio. Mas graças a Deus ele sai hoje.

 

          Estranhei o linguajar pra uma mãe - guardado. Conversando mais, ela contou a história do filho e a razão da prisão. Soube que eram de uma cidade vizinha e ela veio para acompanhar o filho. Não conhecia ninguém na cidade e não tinha onde ficar até a hora da soltura do filho.


          Ela notando o cansaço de minha sógra (creio eu) se despede da gente dizendo:
     - Gente, muito obrigada. Obrigada mesmo. Precisava mesmo falar com alguém. Eu preciso ir agora.


          Foi nesse instante que a "ficha caiu". Eu tenho me policiado nos últimos tempos. Tenho tentado por em prática alguns hábitos e
que naquele momento percebi que os havia esquecido em algum lugar. Às vezes a gente se esquece de simplesmente olhar para os lados. Um simples cumprimento, uma palavra, ou simplesmente se dispor a ouvir o outro. Não quero aqui consertar o mundo, causar nenhuma revolução ou me transformar em nenhum santo de carteirinha, ou ainda ser perfeito, mas notar as pessoas à nossa volta não nos custa nada. Cumprimentar, sorrir, notar alguém que está ali do lado faz bem não só àquela pessoa mas também a nós mesmos. Na volta para a loja, agora observando melhor, pude perceber quantas pessoas eu havia passado na ida à igreja e não havia notado. Cumprimento um senhor, vendedor de loteria(ou título de capitalização - sei lá). Ele responde e sorri... E eu volto a acreditar que esse mundo ainda tem solução, não por ele estar errado mas por eu poder me corrigir.