Naquele fundo do vale da serra da Mantiqueira, há uma casa envolvida num afetuoso abraço de uma despojada cerca de bambu.
Cerca poderá ser o nome usual, porém, impróprio, pois o morador não quis, é mais que certo, impedir a entrada às pessoas –sina dos bambus- mas decorar a casa para receber, com festa sóbria e graça na medida, a quem, surpreso, estaca a montaria a apreciar o enfeite delicado, de execução paciente.
Acerca dessa cerca sente-se ser acolhedora e dócil, pois permite que se olhe por cima e, pelo exato tamanho dos bambus que revelam exatidão, perdoa se o olhar é bisbilhoteiro. Deixa-se ver, como as pessoas honestas que nada têm a esconder.
Cortados ao comprido, as metades dos bambus ficam absolutamente perfilados, com a mesma face voltada para o caminho e, na extremidade superior, terminam em uma costaneira nivelada que lhes confere exatamente a mesma altura. Todo o cercado é clarinho –não me atrevi a verificar se caiado, vá que seja profanação- e zela pela casa modesta e tranqüila. Tão tranqüila que tem as janelas da frente sempre fechadas, como se fossem pálpebras descidas para a meditação. Existem janelas que se abrem para aceitar elogios e ostentar o interior. A casa da cerca não se abre para essas vulgaridades, é contida à antiga, com saias abaixo dos joelhos, ombros escondidos, batom só contra o frio, cílios naturais. É uma casa feliz, sente-se. Felicidade pouca, é verdade, nada desabrido e em excesso. É como se fosse bica de água pouca, gotejando sem parar, umedecendo a terra de alegria.
À noite a casa está às escuras, mas a cerca permanece de prontidão para qualquer atendimento, um apoio ao corpo cansado, proteção a um choro furtivo...
Se a casa fosse mulher, a cerca seria os olhos; se vaca, as tetas; se passarinho, as asas; se menina, a fita no cabelo. Se a casa um vale fosse, a cerca seria o Corguinho gorgolejando, brincando de pular-sela sobre as pedras, aguando os matinhos da beira, oferecendo morada a todos os sapos e rãs, abençoando os lambaris e dando de beber ao arco-íris. Na margem, o ribeirãozinho como legítimo representante da cerca, poderia deixar que o ginete dissesse “gosto tanto de você” à mocinha, segurando-lhe tão somente as mãos, única conduta que a cerca acerca da qual escrevo, aprovaria. Agora, se a casa se transfigurasse em santa, a cerca seria seu esplendor, uma auréola tão luminosa, que seus moradores seriam tentados a dizer: “Oxe! Dá até vontade de se mudar para aquele outro céu!.
Oxalá um dia eu chegue a ter uma cerca assim. Irei usá-la para guardar entes que têm a propriedade de passar através dela, sem aprisioná-los: a fada que desenhou o rosto de Irene, o saci que o Elizeu viu pitando em cima de um cupim, a cabeça da mula-sem-cabeça, o anjo da guarda em férias, a estrela cadente que estacionou nos pés dela, o lobisomem gente boa, uma sereia exibindo seu corpo na praia, a mãe d´água com os filhos e noras, todos aplaudindo a Serra do Mim que me pertence e sinto, porque está dentro de mim e não sai... a cerca não vai deixar.
Cerca poderá ser o nome usual, porém, impróprio, pois o morador não quis, é mais que certo, impedir a entrada às pessoas –sina dos bambus- mas decorar a casa para receber, com festa sóbria e graça na medida, a quem, surpreso, estaca a montaria a apreciar o enfeite delicado, de execução paciente.
Acerca dessa cerca sente-se ser acolhedora e dócil, pois permite que se olhe por cima e, pelo exato tamanho dos bambus que revelam exatidão, perdoa se o olhar é bisbilhoteiro. Deixa-se ver, como as pessoas honestas que nada têm a esconder.
Cortados ao comprido, as metades dos bambus ficam absolutamente perfilados, com a mesma face voltada para o caminho e, na extremidade superior, terminam em uma costaneira nivelada que lhes confere exatamente a mesma altura. Todo o cercado é clarinho –não me atrevi a verificar se caiado, vá que seja profanação- e zela pela casa modesta e tranqüila. Tão tranqüila que tem as janelas da frente sempre fechadas, como se fossem pálpebras descidas para a meditação. Existem janelas que se abrem para aceitar elogios e ostentar o interior. A casa da cerca não se abre para essas vulgaridades, é contida à antiga, com saias abaixo dos joelhos, ombros escondidos, batom só contra o frio, cílios naturais. É uma casa feliz, sente-se. Felicidade pouca, é verdade, nada desabrido e em excesso. É como se fosse bica de água pouca, gotejando sem parar, umedecendo a terra de alegria.
À noite a casa está às escuras, mas a cerca permanece de prontidão para qualquer atendimento, um apoio ao corpo cansado, proteção a um choro furtivo...
Se a casa fosse mulher, a cerca seria os olhos; se vaca, as tetas; se passarinho, as asas; se menina, a fita no cabelo. Se a casa um vale fosse, a cerca seria o Corguinho gorgolejando, brincando de pular-sela sobre as pedras, aguando os matinhos da beira, oferecendo morada a todos os sapos e rãs, abençoando os lambaris e dando de beber ao arco-íris. Na margem, o ribeirãozinho como legítimo representante da cerca, poderia deixar que o ginete dissesse “gosto tanto de você” à mocinha, segurando-lhe tão somente as mãos, única conduta que a cerca acerca da qual escrevo, aprovaria. Agora, se a casa se transfigurasse em santa, a cerca seria seu esplendor, uma auréola tão luminosa, que seus moradores seriam tentados a dizer: “Oxe! Dá até vontade de se mudar para aquele outro céu!.
Oxalá um dia eu chegue a ter uma cerca assim. Irei usá-la para guardar entes que têm a propriedade de passar através dela, sem aprisioná-los: a fada que desenhou o rosto de Irene, o saci que o Elizeu viu pitando em cima de um cupim, a cabeça da mula-sem-cabeça, o anjo da guarda em férias, a estrela cadente que estacionou nos pés dela, o lobisomem gente boa, uma sereia exibindo seu corpo na praia, a mãe d´água com os filhos e noras, todos aplaudindo a Serra do Mim que me pertence e sinto, porque está dentro de mim e não sai... a cerca não vai deixar.