44 - A Viagem
O comboio sai agora de Paris.
9: 13 em ponto: o comboio arranca.
Um dia bom em Paris. Um pouco nublado.
Um TGV: Train à Grande Vitesse?
Sim e não. Em França, sim, no túnel, por razões de segurança, não; em Inglaterra, não, não há ainda condições. Os carris, etc.., disseram-me: não estão preparados.
9:20: Estamos a atravessar Saint Denis. Anda a velocidade normal.
Ardo em curiosidade em experimentar a velocidade do TGV.
9:25: Parece que andamos um pouco mais depressa. Parece.
9:30: Agora sim. Ninguém o diz, mas parece que sim. A carruagem range.
A rapariga negra ao meu lado, levanta-se, dirige-se à parte de trás da carruagem.
Deve ter ido ao quarto de banho. Ou procura um lugar junto à janela.
Quando se consegue ver, em certos troços a linha do combóio não deixa ver, e sempre que o combóio não treme, consigo escrever o que vejo.
Vejo campos de trigo ceifados a perder de vista.
O comboio dirige-se a Calais. Em direcção a noroeste.
Há um corrupio constante de gente, para lá e para cá, no corredor: pais com filhos, devem ir à casa de banho, gente sozinha, homens e mulheres.
A casa de banho, julgo os sítios pela casa de banho, asseada ou não, estava impecável.
Tirei lá o meu auto-retrato da praxe.
De volta ao meu lugar, reparei na rapariga negra a dormir duas filas atrás da minha.
Coloquei a minha pasta e o computador no assento ao lado do meu. O que foi dela. Vou mais à vontade.
9:50: Velocidade? Não sei se isto é andar depressa ou não.
Campos e campos de cereal ceifado.
Alguém pela minha idade, no n.º 53, passa, tal como eu, notas para o computador.
Também usa, tal como eu, um bloco de notas. Usa daquelas boinas bascas. Tenho um panamá branco. Comprei-o em Pedras Rubras. Veste uma camisa enramada verde. Já tive uma igual. Apetece-me voltar a ter outra igual. Talvez arranje uma.
Primeiro viu o correio electrónico. Vou tentar ver o meu. O meu computador não apanha rede. Agora é que me lembrei que deixei atrás a Pen da Vodafone. Também se trouxesse não daria. Abro o Word. Abro os últimos trabalhos que passei ontem: o 38 e o 39.
Aborrece-me olhar lá para fora. Aliás, as pessoas a meu lado, ou ao alcance do meu raio de visão, também não ligam nada ao que se passa lá fora. Uns, escrevem, o tal, outros, lêem, outros, conversam, outros, dormem, mas não vejo ninguém a olhar lá para fora. Por que será? Se calhar é porque querem chegar o mais depressa possível a Saint Pancras. O caminho não lhes interessa.
Viajar de comboio, podendo ser parecido, o avião é diferente, é diferente de andar de carro. De carro a gente vê, de comboio a gente pouco vê. Falo por mim e pelo que vejo aqui. A não ser para o que se passa dentro do comboio. Para fora, só à partida e à chegada.
10:20: Um expresso descafeinado, por favor. Pedi em francês. Mas poderia ter pedido em inglês. Paguei em libras. A minha primeira compra em libras. Tirando as que fiz de livros pela net. Podia ter pago em euros: 2 libras e 10 ou 2 euros e 40. O bar fica duas ou três carruagens à frente da 16.
Como vou encontrar o meu lugar? Não vi numeração. Deixei o ‘Le Canard Enchainé’ na minha cadeira.
Vitesse: dans les villes et dans le tunnel: 160 à l’heure.
La vitesse normal : 300.
En Angleterre c’est aussi ça depuis deux ans. Je crois. À peu prés. Disse-me o garçon do bar. O Michel havia-se equivocado. 20 minutes dans le tunnel. Primeira e última paragem : Ebbsfleet/interurbano.
Do túnel a Londres, porque há uma paragem: leva c. de 25 minutos.
D’óu venez vous, Monsieur? Des Açores. Respondi em francês. Ah, vous apportez souvent le beau temps!! L’anticiclone. Malheureusement il n’arrive pas souvent à Londres. Vou ver. Oxalá chegue.
De Paris a Londres
Mário Moura
17 de Julho de 2010