O OCEANO DE MARLI

Aquela menina de cabelos rebeldes e pele amorenada sonhava tornar-se professora. Jeito para o ofício tinha de sobra. Dias prósperos de um futuro promissor pareciam levar Marli ao fardo do sucesso. Inteligência era palavra em abundância no vocabulário de sua vida.

Aos 11 anos, atingia a quinta série, feito inalcançável pela maioria, que perdia o prumo dos estudos, ora pela reprovação, ora pela troca da sala de aula nos períodos em que a lavoura de café renderia um poupado ordenado no final da colheita. Tudo ali, na região do Capão Verde, povoado ao sudoeste da Bahia.

Na sala de aula, qualquer conteúdo era dominado com facilidade pela baiana do sorriso farto de dentes brancos. Os trabalhos escolares eram impecáveis. A temida matemática parecia não ter vez com a gargalhada aguda de Marli. O ensino médio foi desbravado com facilidade por ela, a dona das notas mais altas da turma.

Mas o mar tornou-se rio, assim que Marli careceu largar os ainda intangíveis estudos superiores para, naquela ocasião, aprender o bê-a-bá do matrimônio e, em seguida, da maternidade. Aos 19, se casou; antes de completar uma vintena de anos deu à luz a sua primeira herdeira.

Os braços que carregariam os livros da quimera licenciatura se trasladaram ao balanço de Iasmim e à incumbência dos ofícios domésticos. De estudante universitária, Marli converteu-se à dona-de-casa, depois, com a necessidade de um serviço remunerado, asseverou a sonhada sala de aula: mas não com o posto de educadora, mas como faxineira e, recentemente, com o cargo de merendeira.

Marli está afastada de seus sonhos, apaziguados pelas dificuldades de habitar em um lugar onde se respira muito mais que o ar puro, mas se convive amargamente com as restrições.

E mesmo que transporte no nome o prefixo da palavra que analogicamente representa o infinito, o mar dessa baiana contraria-se aos seus dias que são todos iguais. Seu sorriso bravo não sentencia os dias mansos: enquanto faxina a casa, ela canta no ritmo da música alta que invade os cômodos. E o suor que escorre de seu corpo não afoga seu sonho, embora ainda em teoria, – porém felizmente –, ela cultiva e, a seu modo, persegue as esperanças da menina que mais do que querer ensinar, está cotidianamente aprendendo a viver.

Vagner de Alencar
Enviado por Vagner de Alencar em 18/01/2012
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