MEUS MEDOS

Sempre fui uma pessoa cheia de medos. Na infância tinha medo da morte. Não medo de morrer, mas de fazer parte de um cenário que me atemorizava. Sentia-me protagonista, ou coadjuvante de uma peça teatral lúgubre. Naquela época, os velórios ocorriam na residência do finado. Logo, as salas se transformavam em capelas com todos os aparatos e velava-se o falecido por 24 horas. Quantos anos decorriam e não apagávamos da memória aquela cena. Um evento extremamente doloroso para adultos, no imaginário infantil tinha o peso multiplicado. Como entrar naquela peça depois sem enxergar o parente falecido?

Havia uma simbologia tétrica em tudo aquilo. Pendurava-se na porta da casa, ou ao lado dela, uma mão de bronze, com um tule roxo. Enxergava-se à distância. Era como se o morto estivesse querendo te pegar pela mão. Rezei durante anos para que não morresse alguém enquanto morássemos naquela casa, para não ter que passar por aquela difícil situação ou ao menos que não ocorresse enquanto eu ainda fosse criança. Antecipava o Estatuto da Criança na minha cabeça de menina. A velha ideia de que ao crescer os medos desaparecem.

Poderia discorrer mais sobre esse medo comum, mas não iria sobrar crônica para os outros. Então, vamos adiante. Havia outros medos. Medinhos. Nada trágicos. Nada infantis. Será que não?

Andar de avião. Esse, graças a Deus, superado! Ufa! Se possível, andaria todos os meses. Ruim é rodar três horas de carro até o aeroporto. Nem tanto ao céu, nem tanto à água. Já tive muito medo de água. Mas tenho progredido. Dei um passo à frente no que tange a essa onda que nos engole em uma só tragada. Já andei de jangada, de lancha. Só tem uma coisa que ainda não consegui fazer na água. Nadar. Não consigo tirar o pé do chão e me soltar. Ficar livre como um peixe. Não teve milagre terapêutico ou terapeuta milagroso para me soltar. Sou da terra. Por isso mesmo que digo que "ando de avião", "ando de jangada", "ando de lancha". O pezinho fica ali, firme no assoalho.

Talvez, eu tenha é medo de perder a cabeça, o controle, sei lá! É isso!!! Controle. Preciso ter o controle de mim mesma. Saber onde piso. Não é à toa que em família me chamam de comandante, quisera eu, mas na verdade isso tudo envolve o velho medo de perder alguém. É a mãozinha de bronze lá na antiga casa que ainda acena com um tule seco.

Isabel C S Vargas