Escrever- outra explicação



 
 
                        Toda pessoa  que se dedica a escrever, em certo momento, descobre, ou pelo menos tem a sensação, mesmo que  nebulosa, que está escrevendo para sair um pouco da sua realidade, sente a necessidade de mostrar nuances e diferenças de sua personalidade. E só a literatura permite isso.
                        É comum ver um poeta dizer que seu poema não reflete a sua realidade, mas sim outra visão, outra forma de ver. E pela poesia ele consegue ultrapassar a sua vida comum. Homi Bhabha, professor de humanidades na Universidade de Harvard esclarece bem isso ao dizer que pessoas em situação de coação e quando a sobrevivência social e cultural é extrema se referem sempre à imaginação da escrita literária.
                        A grande contribuição da literatura, diz o professor, é que permite pensar de modo contrafatual. Contra os fatos, penso que ele quis dizer isso. Essa imaginação nos ajuda a sobreviver.
                        O que mais fazem os escritores é exercer essa imaginação ao máximo: colocando-se no lugar do outro, inventando novos mundos, procurando ver a vida  de modo diferente do usual. Aceitando enxergar seus outros “eus”, que a vida rotineira não permite que sejam mostrados. Sei que existem pessoas surpreendentemente equilibradas, uma minoria, que escrevem sem essa necessidade de fugir da realidade. Dirão que escrevem por simples prazer, ou para se comunicarem com seus semelhantes, mas são exceção.
                        Penso que quem mais abusou do direito de mudar-se o tempo todo foi o poeta Fernando Pessoa, que inventou seus heterônimos. Assim, ele teve várias vidas, muitas visões diferentes da mesma realidade, ou, quem sabe outras realidades que não enxergamos.  Vejo, agora, que ele foi extremamente inteligente ao fazer isso. Não tinha ele uma  doença psicológica como muitos cogitaram, vendo nele uma esquizofrenia, em razão desse fracionamento de sua personalidade.
                        Em um mundo de constantes mudanças, somos também seres mutantes, temos dentro de nós várias vidas. E há quem sinta agudamente essa multiplicidade dentro de si. E o melhor meio de  por    pra  fora essas vidas tão díspares é, sem dúvida, a literatura.
                        Começamos então a compreender porque chegamos a ter uma compulsão para escrever. A alegria e o encantamento que nunca morre  da escrita.   
                        Já vi muita gente dizer que escrever serve como um processo de cura. Não chego a tanto. Mas, sem dúvida,  pode amenizar nossas dores, alegrar mais ainda nossas alegrias.
                        Eu diria que a escrita é uma grande aliada nossa, uma ótima companhia para nos ajudar a sobreviver.  Meu "eu" mais sincero, mais livre vem sobrevivendo, mas o bom seria ele dar o seu salto de mim, que o estou, medrosamente, segurando, ir para a rua da sua bela realidade, e viver uma vida bem superior à mesmice da rotina que conhecemos e teimamos em  não abandoná-la.