A notícia da morte recente do ator Sérgio Brito, trouxe- me  lembranças das minhas primeiras idas ao teatro, no Rio de Janeiro, nos dois últimos anos da década de quarenta.  Quarenta de oito foi o ano de minha chegada a, então, capital. O evento detonador foi o Festival Shakespeare, organizado por Pascoal Carlos Magno. O facilitador foi ser amigo do ator Elísio de Albuquerque Filho, que me permitia assistir as peças e até conhecer os bastidores de algumas das melhores companhias, de então. Era como se tivesse vendo teatro pela primeira vez. E creio que era.
                           
                             O primeiro espetáculo foi Hamlet. Que revelou o maior ator brasileiro que vi em toda a minha vida: Sérgio Cardoso. Sérgio Brito era Horácio. Por causa do meu amigo, conheci os dois. Ele, Elísio, fazia na tragédia o espectro do pai de Hamlet. Sérgio Brito era muito bonito, mas tinha um certo defeito no falar.  E nem era tão bom ator. Como eram amigos, eram comparados. Inteligente, Sérgio Brito tornou-se, no decorrer do tempo, um dos maiores atores brasileiros. Não só ator, com diretor.

                              Lembro que um dia assistindo-o na peça “Fim de Jogo”, de Samuel Becket, no Teatro do SENAC, em Copacabana, no meio do espetáculo duas senhoras conversavam como se estivessem no cabelereiro. Eu e outros nos arredores incomodados, mas calados. De repente, ele parou o espetáculo e convidou as senhoras a irem até a bilheteria e receber o dinheiro de suas entradas, de volta, porque elas tinham entrado no lugar errado. Seguisse um silêncio mortal. Ele concentrou-se e continuou o espetáculo. Seu personagem era de um cego. Representar é também “jogar”, como em inglês “play” ou em francês “jouer”.

                              Era um dos atores mais intelectualmente preparados da cena brasileira. Um dos precursores do teatro moderno e da maneira brasileira de representar. Quando cheguei ao Rio, nos anos quarenta, os grandes atores e atrizes ainda falavam com sotaque português. O grande nome da fonoaudiologia era Ester Leão, portuguesa. Grande parte da troupe de Pascoal estudou com ela, mas felizmente assimilaram só a técnica.

                                Pena que essa estirpe esteja desaparecendo: Mário Lago, Paulo Autran, Fernando Torres. Que prazer vê-los no palco ou o resultado de suas direções.  Agora, lembrando a cena final de Hamlet, resta-me oferecer a Sérgio Brito, as palavras de seu Horácio a Hamlet, na hora de sua morte: ”Assim estoura um nobre coração. Boa noite, amado príncipe, revoadas de anjos cantando te acompanham ao teu repouso”*. Fecha a cortina. Aplausos!
 
 
 
 
*Nota: tradução de Milôr Fernandes.

 
Alberto Soeiro
Enviado por Alberto Soeiro em 14/01/2012
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