Olhos enviesados
“Vês as pingas que bebo não os tombos que levo.” (dito pop)
Quem pode fugir desse olhar enviesado, meigo e acanhado? Dessa doce ingenuidade que por ele perpassa e traspassa, com a sua graça, a minha dura couraça... Quem pode?
Dias atrás, revelei ao amigo Gdantas, --- comentando uma de suas inúmeras e brilhantes crônicas, --- não apreciar nenhuma particularidade ou fetiche nas mulheres, antes, porém, uma queda pelas mulheres louras, aliás, não se trata de simples caída, sim, de verdadeiro e desastrado tombo!
Mentia? ... Não! Há o caso dos olhos desalinhados que me passou despercebido. Não é fácil, gente, resistir à atração desses olhares levemente estrábicos, não totalmente caolhos em si. Barbra Streisand olha assim levemente, e quem não se lembra de Sandra Bréa, conquanto o exemplo culmine em Cybill Shepherd (O gato e o rato) que, maravilhosamente loura, exibia no seriado aquele olhar meio vesgo, provocando desejos insanos de agarrá-la com fúria, mordê-la, cometer enfim os mais vis pecados em sua companhia!
É verdade. Olhos desalinhados têm o poder de bulir e polir minha libido embaçada. Seria esse o meu fetiche?
Porto Alegre, idos de 1985; trabalhávamos com o pessoal do MEC os orçamentos das IES federais. Certa noite, folgados, saímos para uma famosa e concorrida praça de diversão. Por razões naturais, nessas ocasiões a pontualidade é desprezada, de forma que chegamos a ela bem mais tarde do previsto, visceral e literalmente chapados.
Na dita praça, armado, enorme tablado recebia extensa e farta iluminação; sobre ele, mesas perfiladas recebiam centenas de alegres pessoas que se agitavam dentro e fora dos seus limites. Em meio a tanta gente, ironicamente meu olhar foi conduzido a uma pessoa solitária recostada numa de suas laterais, cujos movimentos sorvia, a pequenos intervalos, o conteúdo de vistosa taça; aparentemente deixava-se transparecer aborrecida. Um corpo divino; cabelos curtos e louros acomodavam sobre elegante echarpe vermelha, vindo o vestido negro realçar-lhe as curvas, e, flagrantemente os seios, via de generoso decote. Por fim, botas de canos longos completavam a figura estonteante que se me aparecia à frente.
Recebeu-me com surpreendente finura levando-nos a uma conversação animada dado ainda o meu “elevado” estado de espírito.
Conversa vai, conversa vem, “íamos”, quando... alguém tocou-me o ombro. Era o Zé Luiz, morador na cidade. Pediu um particular.
--- Ah, é?!!!...
Convenhamos, não culpo o álcool pelo fato. Eu devia, mesmo naquele estado anuviado, ter observado melhor as coisas e não o fiz; em que pese tantas e quantas minúcias que na loura vi, fui incapaz de perceber, no mocinho solitário, se ele tinha os olhos desalinhados ou não! Ainda bem. Já pensaram se ele tivesse?
Beba, “maledeto”!