Como manter seu casamento
Passaram-se apenas dois meses na vida do casal e surgiu a primeira briga. Ela, uma psicóloga formada há algum tempo, estudiosa que era do comportamento humano, sobretudo a parte da análise transacional, espantou-se. Não pela briga em si, que não chegou a provocar escândalo, mas pela repercussão que ela poderia trazer para o futuro.
Tinha planejado nos seus mínimos detalhes a relação dos dois. Baseado em psicólogos e psiquiatras como Hans, Michael Eysenck e o mestre Freud, elaborou um ensaio que pretendia publicar com o nome de “Como manter seu casamento. Uma experiência”. Mas só depois de 15 anos de casada, tempo necessário para afirmar uma relação a dois, entendia ela.
Para o primeiro ano, programou pouca coisa, pois sabia que neste período deveria dominar a paixão-fogo (tesão). Escreveu assim entre parênteses no seu ensaio, talvez para dar mais clareza ao tipo de sentimento que gostaria de exprimir. Neste espaço, só um cineminha, alguns jantares fora e o resto do tempo deveria ser reservado para o amor em casa.
Quando se aproximasse o segundo ano é que deveria de se precaver. Aí a paixão-fogo (escreveu novamente a palavra tesão entre parênteses) estaria se esvaindo aos poucos, dando início a tão falada crise dos dois anos. Mas ela se preveniu. Inventaria jogos. Xadrez, dama, um simples quebra-cabeças, ou outros, como quem saberia nomes de atores famosos americanos, ou nomes de cidades brasileiras, gaúchas, ou a víspora; qualquer coisa que preenchesse a monotonia das tardes de domingo, ou as noites antes de dormir. Muitos jogos, porque a pior coisa era a rotina. Sentar-se à frente da televisão como duas múmias é que não haveria de ser.
Passado a crise do segundo ano, entraria no terceiro, no quarto e no quinto mais aliviados. Neste tempo, teriam que inventar coisas incomuns e até perigosas, como viagens recordando a lua-de-mel, ou uma nova despedida de solteiros. Sim, tinha de testá-los. Se for preciso, até separá-los um pouco, para que cada um sentisse a falta do outro. Assim, a paixão-tesão (aqui ela suprimiu a palavra fogo) cederia lugar para o amor-amigo.
“Amor-amigo. Esta era a situação-chave e tão difícil de chegar-se até ela”, pensou. E escreveu: “A paixão elimina as diferenças, cega as pessoas e torna o impossível possível. Mas quando ela acaba é como se uma pessoas começasse a abrir os olhos de vagarinho e fosse notando tudo ao seu redor. Cadê o príncipe ou a princesa? As palavras doces, o ficar juntos, o sorriso espontâneo e a busca constante? Foi-se tudo com a paixão. Ficou, agora, dois seres de carne e osso, que nasceram em lugares diferentes, que viveram de modo diferente e que, portanto, agem de maneira diferente. Agora, é preciso uma nova conquista, mais madura, racional, com superação de todas as diferenças. Agora, é preciso conquistar o amor-amigo”.
Com essa teorização, ela relacionou outra dezena de procedimentos para que passassem o sexto, o sétimo e assim por diante, até chegar no décimo quinto ano, quando publicaria seu ensaio em livro: “Como manter seu casamento. Uma experiência”. Seria um sucesso. Qual o casal que deixaria de tê-lo em casa, para acercar-se das teorias sobre um bom relacionamento a dois? Assim como você, leitor ou leitora, que correu os olhos nessas linhas ávido por algumas recomendações c onjugais.
A experiência de sua vida era testemunho da eficácia do seu referencial teórico. Mas, aquela briga logo no segundo mês a desapontou muito. Não tinha pensado no início do matrimônio. Ou melhor, tinha pensado que neste tempo a paixão dominaria tudo. Ainda na esperança e resolver o problema, pegou o ensaio e folheou umas três vezes, mas não achou nada para dois meses de casado. Decidiu, então, por reelaborá-lo, partindo efetivamente da experiência.
“No segundo mês do casamento...”, recomeçou ela.