Alunos, alunos, negócios à parte
Sou do tempo em que as férias escolares eram realmente férias. Elas iniciavam ao primeiro apito de dezembro e só expiravam após o último suspiro de fevereiro, exceto para aqueles que por alguma razão para a segunda época, derradeira chance para evitar a repetência.
Naquele tempo, repetir de ano era uma espécie de Pecado Capital. Algo como um décimo primeiro mandamento, à revelia de Deus, que dizia: "Não repetirás". Sua inobservância tinha como penitência trinta dias sem férias em janeiro, o mes do veraneio em família. Geralmente, os que caíam na malha-fina ficavam confinados com os avós, enquanto o resto da família viajava para as praias com caniço e samburá. Era muito difícil, pois os avós daquela época não eram como os retardados de hoje. É possível que os avós que a modernidade produziu fossem membros da Sociedade Alternativa de Raul Seixas e Paulo Coelho, tendo Alieste Crowley como mentor. E já que tudo é da lei, os netinhos podem fazer qualquer coisa, inclusive ser reprovado.
Nos idos a que me refiro, os pais matavam um leão por dia para que não nos faltasse nada em casa. Para eles, cabia a nós estudar como se fosse nossa profissão. Passar de ano não era um feito, mas uma obrigação. Uma vez, quase fiquei reprovado por conta de um apótema e uma bissetriz, mas escapei.
Nos dias de hoje, a tabuada e a caligrafia são livros apócrifos. As contas ficaram por conta do seu José do armazém, uma espécie em extinção; a escrita virou receita médica. Hoje, para corrigir uma prova, o professor precisa ter olhos, não de Tandera, mas de farmacêutico longevo.
Um dia, descendo ao pátio da escola, encontrei uma turma organizando uma brincadeira. Um deles gritou: " Eu sou o capitão Nascimento!" Coisa de pais, pensei. Algumas crianças cercaram o herói do Bope. Eram os Caveiras. Restou um pequeno número, quase todos pretos. Aquele capitão Nascimento, nascido da incompetência dos pais, escolheu o mais preto dos pardos e decretou: " você é o Zé Pequeno". Voltei a minha sala. Naquele pátio, dominado pelos alunos, e tendo a professora como refém, deteriorava-se a escola.
Aldo Guerra