Explicações

Quando a pessoa não vai entender, é melhor nem começar explicar. É até estranho um professor dizer isso, eu sei. Porque essencialmente um professor deve ter a convicção de que todos os alunos sejam capazes de “compreender”. Mas é isso mesmo, os “alunos”! As pessoas da vida nem sempre estão no papel de alunos.

Lembrei de um episódio verídico. Quando eu estava na 5ª série (do ensino fundamental), fiz uma pergunta a minha professora de matemática. Eu queria saber por que alguns conjuntos numéricos não são representados pela sua letra inicial. Por exemplo, os números Naturais são representados por N e os Reais por R; já os Racionais são simbolizados pela letra Q (que talvez viesse de “quociente”, então não atiçou muito minha inquietação). Agora, nunca engoli por que os "Inteiros" são representados pela letra Z...

Perguntei então durante a aula. Ela fez uma cara de sabedoria, criou um clima bem solene e respondeu: “para saber isso, você precisa primeiro aprender matérias do ensino médio”. Acreditei irrestritamente. Eu a adorava como professora e hoje, apesar de fazer mais de uma década que não a vejo, continuo a adorando como veterana.

Esperei pacientemente ano a ano... Ela foi minha professora de matemática durante os quatro últimos anos do ensino fundamental. E é ótima! Terá hoje já se aposentado? Talvez.

E então, finalmente, as aulas do ensino médio começaram. Mudei de escola e consequentemente de professora de matemática. A nova era também muito boa. E assim que iniciou a revisão sobre os conjuntos numéricos, vi a oportunidade de enfim saciar a minha curiosidade. Perguntei. E a resposta veio objetiva: “não sei não”. Frustrante.

Naquela época não existia o Google. Nem ao menos eu tinha computador em casa. Eu adorava pesquisar “curiosidades”, então precisava recorrer à Biblioteca Municipal, onde havia uma infinidade de enciclopédias, revistas e outras publicações. Mas não sei por que cargas d’água, essa acabou me escapando e não fui atrás.

Mais de vinte anos depois de ter surgido aquela curiosidade inquietante, eu estava ministrando um curso no Simpósio de Matemática e Matemática Industrial da UFG, em Catalão. Em meio aos momentos de descontração, como havia muitos graduandos em licenciatura, comentei com humor que tem professores que quando não sabem uma resposta, fazem cara de sabedoria, criam um clima solene e dizem: “para saber isso, você precisa primeiro aprender outras matérias...”. E citei o caso ocorrido há tanto tempo, mas que ficou armazenado em algum canto da minha memória, e que naquele exato instante havia sido acessado como num clique em um arquivo de computador.

Neste momento, uma das alunas disse que sabia a resposta. E me enviou-a por e-mail após o curso. Fiquei perplexo com a ironia: lembrar-me de um detalhe tão antigo e saciar a curiosidade depois de tantos anos.

Senti na pele que não se deve deixar um aluno sem resposta. Por melhor que a gente se saia “escapando”, é melhor trazer a resposta depois. Mais cedo ou mais tarde, ele vai ver que a gente não sabia. Eles provavelmente não serão tão ingênuos quanto eu fui naquela época.

Mas como disse no início, isso só serve para “alunos”. Na vida, tem muita coisa que é melhor não arriscar explicando. Tem coisas que não tem mesmo explicação. E, além disso, muitas lorotas são ditas começando com “calma, eu posso explicar...”.

EM TEMPO: os números inteiros são representados pela letra Z por causa da palavra “Zahlen”, que em alemão, significa “números”.

(Catalão, 13/01/2012)

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 13/01/2012
Reeditado em 13/01/2012
Código do texto: T3438470
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