Rosseau em minhas lembranças
Em seu Contrato Social, Rosseau dispara: "a força fez os primeiros escravos; sua covardia os perpetuou." Eu era um jovem secundarista quando fui apresentado ao filósofo francês. E como eu já ocupava a trincheira dos que lutavam contra a ditadura militar, aquela frase foi mais uma injeção de ânimo. Quem me apresentou ao nobre iluminista foi o Chico, meu professor de biologia e principal responsável pela profissão e disciplina que abracei. Imitei muito o seu estilo enquanto, em mim mesmo, ia se moldando o meu próprio. Nunca mais nos vimos. Muitos anos depois, soube que o velho stalinista de Coelho Neto, bairro do subúrbio carioca, abrira uma escola na Baixada e que tratava seus professores a pão e água. Senti-me como aquele coronel do filme "Sob o sol enganador". Um ídolo que levei tanto tempo para construir, dissolvia-se como um castelo de areia.
O que o dinheiro não faz? Se me tivessem dito que le se tornara um patrão rígido e autoritário, não me causaria espécie, pois isso seria apenas a herança deixada pelo bigodudo de Moscou. Mas ser um explorador, não. Aquilo era tão terrível como o ato da parteira que joga a criança aos cães e entrega à mãe a placenta para ser criada. No entanto, é dolorosamente assim que as coisas acontecem. O dinheiro está na gênese dos déspotas e seu séquito de bajuladores.
É possível que meu velho professor não tenha incinerado a vasta biblioteca que, durante anos a fio, tentou lhe ensinar a renegar tudo aquilo que ele faz hoje. Afinal, o cinismo é uma marca dos patrões que se dizem boa-praça. Quanto a mim, tantos anos distante, prefiro que ele já tenha morrido, antes de ter tido tempo de imolar alguma espécie de melhor amigo, coisa que a história repete, não como farsa, mas como tragédia.
Aldo Guerra