A Barragem Que Vetou

A BARRAGEM QUE VETOU O RIACHO DO ROSÁRIO

Era um dia de sol escaldante, a notícia correu célere em torno da construção da barragem do Rosário, que vetaria as águas vertentes do riacho do mesmo nome; surpreendeu, inquietou a população quitaiuense.

A Vila ficou empolvorosa, as vantagens posteriores, pouco interessavam. A curiosidade do povo, a ansiedade, concentrava-se pela grande novidade e os anseios de lograrem algum dinheiro, das diversas formas com a construção, com a indenização das terras, estavam em primeiro lugar.

Será mesmo verdade! O Quitaiús! - Quanto merecimento! Parece milagre, acontecimento desse porte, para um distrito tão esquecido em tudo e por todos.

Quitaiús, distando da capital, 453 km, onde um povo sofrido, de muita coragem, honesto, e tenaz, que vivem basicamente da agricultura de subsistência e alguns de aposentadoria do FUNRURAL. A cidade hoje calçamentada, sistema de abastecimento d’água, antes, conhecida como Barro Vermelho. Piçarra vermelha, que empoeirava tudo; da roupa mais íntima, até a alma de quem ali transitava.

Em tempos passados, o lugarejo cheirando a poeira, a urina de animal, o transporte mais comuns nos idos dos anos cinqüenta, era no lombo dos animais, que os donos de sítios que compõe o distrito, se deslocavam para a Vila fazer a feira no mercado repleto de barracas com produtos oriundos de Crato, Juazeiro do Norte e artesanato da terra, na bodega de seu José Mendes se comprava farinha e tomava-se uma bicada de aguardente, de volta para casa parada certa, comprar o pão-do-reino na padaria de Virgílio Clemente.

Aos domingos a Vila ficava abarrotada, os cavalos, os burros e jumentos, ficavam amarrados nas grades das portas das bodegas. Afivelados com brida, estribo, cilha e adornados com arreios de couro; as selas e as coronas acolchoadas, cuidadosamente bordadas pareciam rechilieu e ainda coberta com um coxim macio de fio cru. Os proprietários se aboletavam nos balcões com o chicote em punho; o cheiro da cachaça, do torrado e dos cigarros de fumo artesanal, impreguinavam o ambiente. Hoje, com a globalização, Quitaiús, tem outro aspecto, com a invasão dos meios de comunicação, a televisão especificamente, mudou os costumes do povo; as bodegas se transformaram em frigoríficos, os armarinhos se tornaram lojas de confecções, roupas oriundas das grandes cidades, como Caruaru, Juazeiro do Norte, até mesmo de Fortaleza e São Paulo, o mercado já não mais funciona, houve um tempo que a feira aos domingos era bem movimentada.

São Francisco, viveu décadas no anonimato, esquecida dos políticos e dos seus filhos que de lá se dizimaram. Os fundadores e outros que por lá permaneceram, contribuíram o máximo que puderam para a Vila sobreviver e prosperar. As questões políticas, as decisões para melhoramento do distrito, eram todas tomadas na sede, Lavras da Mangabeira, tudo ficava emperrado. Posteriormente, tomou um leve impulso, veio acontecer algumas mudanças somente na década de 70, quando os filhos da terra ocuparam cargos políticos. Em primeiro lugar, Olavo Leite, como prefeito que melhorou o lugarejo em alguns aspectos, como, a cidade foi pavimentada,foi instalada uma lavanderia pública, o açude público dos Três Irmãos, a construção da praça e, em seguida seu filho Carlos de Olavo, juntamente com Raimundo Morais, Margarida Bezerra Maia, como vereadores, entre outros, deram continuidade a algumas obras. Novamente o progresso estacionou em vários aspectos, como no comércio, Quitaiús regrediu. Veio o prefeito Francisco Aristides, maquiou um pouco mais a Vila, fez algum melhoramento.

Nesses últimos anos, sob decisão governamental, através do projeto Caminho das Águas, do Governado Tasso Jereissati, para irrigar os vales do sertão cearense, através da Secretaria de Recursos Hídricos, e a SOHIDRA, anuncia uma grande novidade para Quitaíus, um grande açude! A obra materializou-se. A construção teve inicio em 1998 e término em 2001, pela Consultoria da EngeSoft, e da Construtora E.I.T. Empresa Industrial Técnica S/A, para assim prender as águas do riacho e ceder lugar ao grande açude do Rosário. O vigésimo quinto entre outros do Ceará. Como primeiro em termos de capacidade de armazenamento d’água, temos o Castanhão, em segundo Orós, em terceiro Banabuiú.

A notícia correu os quatros cantos da Vila. O povo se alvoroçou. Instalou-se um zum, zum, zum, um barburim, um corre, corre, todos querendo saber como ficaria a situação dos moradores da ribanceira do riacho. Quem iria construir a barragem, e muitas outras interrogações.

Começou o rebuliço, a chegada da equipe de engenheiros e técnicos da Secretaria de Recursos Hídricos, para reunir os moradores e explicar todos os detalhes. Os líderes da comunidade, por outro lado também reuniram-se com os trabalhadores da roça, os meeiros, para discutirem como ficaria a situação, bem como dos proprietários das terras etc. Primeiro ouviam as propostas do coordenador da equipe da SOHIDRA, em seguida analisavam as vantagens, os prejuízos que iriam causar; para em seguida decidirem sobre seus destinos. Os pobres lavradores, enquanto ouviam os líderes da comunidade, ficavam atentos e aceitavam suas opiniões; logo em seguida quando reuniam-se com a equipe do governo, já mudavam de opinião, entusiasmado com o pouco investimento que poderiam receber pela indenização dos bens e por seus trabalhos desenvolvido nas terras, ficavam em cima do muro. Acreditavam que iriam até enriquecer com as pequenas quantias. Sequiosos por dinheiro, sem uma análise mais aprofundada; o que de fato eles tinham como direito. Finalmente viraram o jogo, e acataram a proposta do governo. Alguns diziam, “Ah! ora rapaz, a gente com R$ 5.000,00 no bolso, vamos mesmo é arrumar nossas vidas; vamos comprar móveis, e, ainda sobra algum dinheiro para outras coisas. Vamos lá mais, escutar opinião de Nenzão, de Rose, de Liduina, que nada! O que a Comunidade vai dar pra gente? Tá doido compadre, vamos pegar esse bolão e fazer nossa vez”!

Os equipamentos da Empresa EIT, chega em Quitaiús. Tratores imponentes, caçambas, escavadeiras, máquinas de terraplanagem, verdadeiras jamantas. As ruas se tornaram estreitas para abrigar as enormes geringonças. Os engenheiros, os técnicos da obra, os operários, inundavam as ruas e ocupavam diversas casas da Vila para dar início a grandiosa novidade.

Inicia-se a destruição, indeniza-se terras férteis dos vales do riacho do Rosário, as máquinas derrubam as mangueiras, os plantios de milho, de feijão, destroem as casas, para dar lugar a grande barragem. A questão seria defender os interesses do governo.

A construção da barragem revolucionou a Vila de Quitaiús, tornou-se a grande coqueluche do momento; chamava a atenção de muita gente. Surge empregos temporários para um grande número de pessoas. Os comerciantes aumentam seus estoques de mercadorias para atender aos novos moradores. Proprietários de bares, de frigoríficos, se beneficiando com as vendas de seus produtos antes tão fraca. Instalam-se pequenas lanchonetes, a beira da construção, moradores do distrito armam barracas para venderem seus produtos. Com o aumento das vendas, até assaltantes apareceu para saquear as lojas do comércio.

O progresso no sertão causou sobressalto para os moradores. Despertou a atenção dos municípios vizinhos. A estrada que liga Quitaiús a Lavras, se transformou numa verdadeira pista, de tanto as máquinas e os automóveis dos engenheiros e técnicos transitarem. Passaram a cuidar da estrada, aplainavam com suas máquinas, molhavam noite e dia, para melhor transitar com seus transportes, bem como diminuir a poeira. Os moradores exclamavam: “Ah! Agora nós temos uma estrada de verdade, parece um tapete! Faz gosto irmos à Lavras”!

O povo admirava a obra que a cada dia crescia, os sítios, cedendo lugar a uma imensa barragem.

As mocinhas carentes enlouqueciam. Tanto homem no lugarejo, coisa nunca vista! Ficavam de cabeças viradas, e os forasteiros, aproveitavam o ensejo com galanteios baratos conquistavam as inocentes, com promessas mentirosas, enganando as garotas com suas artimanhas e algumas menos prevenidas deixaram-se engravidar.

A construção prosseguia, o projeto arrojado para o pequeno lugarejo tomava proporção. Tratando-se de uma obra pública, não se tinha pressa. Os moradores não viam a hora do término da obra para participarem da inauguração. Queriam ver o imenso açude cheio de água. Assim prosseguiu por três anos consecutivos. A obra não tinha fim, o dia da inauguração não chegava. Quando no ano 2000, o açude começa a tomar água no primeiro inverno, os próprios moradores inauguram, festejaram com a pesca abundante de peixes. Coisa nunca vista, que fartura!.

Quando se aproximou as eleições para governador, a obra concluída, Tasso Jereissati, num momento inusitado, comunica aos seus assessores e desembarca de um helicóptero no campo de futebol de Quitaiús no dia 03 de abril de 2002; ele fez o um ligeiro discurso de inauguração na praça da Matriz, e logo em seguida levantou vôo para Juazeiro do Norte.

Hoje, o saldo de toda essa transformação, são as vantagens e os prejuízos causados pela obra. O riacho do Rosário perdeu seu curso normal no período chuvoso, não acontecerá mais as grandes enchentes para banhar suas margens. No leito do rio as águas correrá somente, a medida que as comportas abrirem-se, determinada por um técnico. Contudo, a população tem peixe com facilidade, a irrigação para os plantios se tornou possível para alguns, em qualquer época do ano, pois, ainda não existe o incentivo do governo para tanto, a Vila foi beneficiada com o abastecimento d’água, também sua sede, Lavras, desponta uma área de lazer para os moradores, aproximou outros municípios, como Aurora, Granjeiro, a própria sede do distrito, onde aos finais de semanas reúne inúmeras pessoas para o banho na barragem. A agrovila é um outro fator preponderante, para os que se afastaram de suas antigas moradas para ceder lugar à obra. Outros benefícios poderam surgir de acordo com os interesses dos administradores da sede e do distrito.

Fortaleza - 28/ 11/2002

Roseli
Enviado por Roseli em 11/01/2007
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