Lagoinha

LAGOINHA

Na chegada ao restaurante do hotel, depois de acomodar as bagagens no quarto, falei para o Gomes, para não se aborrecer comigo, pois iria conversar com o garçom, com os nativos daquele lugar, queria sair bem informada. Precisava conhecer a história desta natureza exuberante, bela e deslumbrante. Queria saber como se deu o povoamento da região de Paraipaba.

Tirei o meu chapéu. Gomes pediu uma cerveja, o Sol estava escaldante, nenhuma aragem, era quase meio dia; final de dezembro, o hotel estava praticamente vazio. Os nativos solícitos logo se aproximavam e ofereciam seus serviços: (Verbalizavam, cuidamos do carro). “Olhem senhores, temos os passeios de jardineira, de jangada, de triciclo, os buggys estão saindo logo mais, se quiserem podemos levar vocês a Lagoa das Almécegas, à casa de farinha etc”. Dispensamo-los, com as desculpas de fazermos no dia seguinte. Passamos o dia fazendo o reconhecimento da área. Repousamos e nos recolhemos cedo ao quarto do hotel, subindo devagarzinho a infinidade de degraus.

O dia amanheceu quente. Da varanda do quarto, ali inerte, olhos pregados na imensidão do mar verde-azulado. Descemos para o restaurante. Findo o café, um senhor aparentando seus 80 anos, sentado numa cadeira, ali tomava Sol, dava ordens aos empregados e cumprimentava os hóspedes que por ali passavam. 9:00 horas, subimos ao quarto para escovar os dentes. O silêncio envolvia o hall do hotel. O Sol batendo na varanda. Nem um pouco de brisa morna soprava. O mar estava calmo; os pássaros pousavam na soleira da varanda do restaurante, se quer, assustava o velho sonolento. O empregado da prefeitura empunhava o chicote, tangendo o boi preso na almanjarra, puxando a carroça, transportando o lixo da praia. 10:00 horas, de sexta-feira. Começava a chegar as vans lotadas de turistas do sul do país. Uns portando filmadoras, outros com câmeras fotográficas a tiracolo. As senhoras espalhando os protetores de pele, colocando os bonés, outras, grandes chapéus, as crianças pulando de alegria; os encarregados das jardineiras corriam para oferecer os passeios já programados do pacote turístico. As jardineiras saíam lotadas de gente e de sonhos. Quanta coisa o cearense se orgulha em oferecer! 13:00 horas, todos de volta, todos esperando à mesa, experimentar as iguarias típicas do Ceará. Peixe, pirão, camarão, lagosta, etc. tudo era muito atraente aos olhos do povo do sul. Crianças nativas, da Lagoinha debruçavam-se no para-peito do restaurante com as bandejas de cocadas pretas e brancas. Gritavam, “ajudem minha mãe, comprando minha cocada, apenas por R$ 1,00”.

Logo depois, os turistas tomavam as vans, rumo a Fortaleza. Calava-se o rumor das jardineiras, dos triciclos, das crianças.

Olhava-se para a piscina, a água azul parada... Todos os hóspedes recolhiam-se para a sesta. O Sol ardente brilhava sobre o morro dourado, cartão postal da Lagoinha. As palmeiras, as buganvílias nem se mexiam. Duas horas depois reapareciam os hóspedes, o velhinho retomava sua cadeira; as crianças caíam na piscina. Na varanda do quarto, uns liam livros, revistas, outros ainda dormiam nas redes de varandas em frete ao mar. Os empregados do hotel, uns jogavam sinuca, outros o jogo de baralhos com o velhinho no saguão da pousada. Enquanto a maré enchia, trazia os encantos e a magia nas ondas que quebravam rumorosas e brilhantes, enquanto o Sol batia sobre a crista das ondas que subiam alto. Eu ficava em up time. O imponente morro de areia dourada, ficava mais escura com a luz do Sol. A tarde começava a cair. Alguns hóspedes se exercitavam em longas caminhadas pelas areias úmidas da praia. Uma vastidão. Um silêncio. Só se escutava a música do mar, um convite a meditação. Uma jovem mulher tomava banho brincando com as ondas que quebravam forte fazendo-a rolar despreocupada pela areia.

Ao retornar para o quarto do hotel, subindo 108 degraus. Fomos pra varanda admirar o clarão vermelho do pôr-do-sol que pouco a pouco esmaecia. O céu escurecia lentamente. Aos poucos surgiam as estrelas, era quase noite. O Gomes, autêntico visionário, a contar suas histórias de viagens pelo exterior. A brisa da praia não apareceu, nem mesmo a toalha estendida na varanda se movia. A noite se apossa do hotel, o mar ficava mais escuro, ninguém conseguia enxergar as jangadas estacionadas ao lado. Os hóspedes recolhiam-se aos seus quartos, ouvia-se as conversas, as músicas espremidas que saíam de pequenos aparelhos de som, nos quartos dos vizinhos. Alguns fugindo do calor, armavam redes e dormiam nas varandas. Fechava-se o hotel; um silêncio budista invadia o ambiente. Só o mar murmurava. Música harmoniosa. Calmaria, bom descanso. O domingo chegou, o passeio acabou, na volta para casa, só alegria, contentamento de ter desfrutado bons momentos. Muita energia adquirida para enfrentar o dia-a-dia...

Dezembro, 2001

O VELHO CIRCULAR

Manhã alegre do mês de junho, a cidade de São Vicente caminhava devagar. O velho comércio se movimenta lento, abrigando o maior número de pessoas oriundas dos sítios a procura de resolver seus pequenos negócios como, receber a aposentadoria, fazer a feira da carne, do sal, da farinha, do feijão, até mesmo de frutas e verduras, quando sobra algum trocado, até porque na maioria dos sítios do município quase sempre não se usam o cultivo de hortaliças, bem como da fruticultura.

As portas dos Correios, da agência lotérica e das agências bancárias, estavam empilhadas de gente se espremendo debaixo do sol escaldante tentando receber o vale gás, vale alimentação, bolsa escola, enfim as esmolas do governo, que não passam de verdadeiros vales de lágrimas. Um paliativo qualquer. Imaginem! Jovens, senhoras, e senhores, pessoas de bom caráter, como poderão melhorar a qualidade de vida se perdem dias em filas aguardando receber estes vales? Como poderão melhorar de vida, se o lavrador abandona o cultivo da terra em troca dos benefícios do governo federal?

As linhas de ônibus circulam entre os municípios vizinhos transportando a população carente sem perspectiva. Lia-se no rosto sofrido das pessoas a incerteza do por vir. No velho circular, com destino a Cedro, cedo uma velhinha é jogada na primeira poltrona. Dois jovens trouxeram-na arrastando pelos braços e a desprezaram-na no ônibus a espera da partida que decorreu por mais ou menos meia hora. Cochilando a velhinha cai por cima do passageiro vizinho. A saliva seca e branca que expelida pela boca aberta e ofegante, serve de alimento para as moscas que festejam no seu rosto inerte.

Lentamente as pessoas iam ocupando as cadeiras do velho circular. Motorista animado, tentando conquistar as passageiras. Não perdia oportunidade.

O circular dar sinal de partida. Alguém grita: falta a Tiana, ainda não comprou o açúcar, o José que foi comprar a cebola. Finalmente, o ônibus sai se arrastando. Pára na primeira esquina, o motorista não tem pressa, quer agradar todos os passageiros. É a concorrência com os transportes alternativos. Uns já saem mais cedo, lotados. Ao sair da cidade pára no primeiro sítio. Desce uma pessoa. E nessa vagareza, sai parando, parando, afundando-se nos buracos da estrada íngreme, malcuidada, adentrando por grotas afora.

A conversa no circular ficava animada. Duda, uma jovem mulher, falava para Francisca: “quando eu me aposentar pelo FUNRURAL, não vou comprar luxo. Em primeiro lugar vou tratar de comprar minha comida melhorzinha. Depois vou mobiliar a casa; vou viajar. A gente num viaja de graça? é o que o povo fala!”. Não quero fazer como dona Vicência; divide todo o aposento com os cinco filhos desempregados da roça e ainda sustenta três netos”.

Enquanto isso a velhinha dormia sossegada, embalada pela conversa dos passageiros. O solavanco do circular, a poeira fina e avermelhada circulava pelo ar mudando de cor a toalha da velhinha.

Meio dia! O circular faz uma parada principal em São José de Mãe Veia. Na saída da cidade, o motorista desemboca numa grota. O ônibus se inclinava a ponto de virar nas quebradas. Imaginem! Toda essa aventura tem um motivo forte: deixar na porta de casa, a jovem senhora que ele tentava conquistá-la.

Conversa demorada. Prossegue-se a viagem, muitas outras paradas até alcançar o riacho do Machado. Entra e sai passageiro, uns transportando galinha, uns burreguinho, um outro um balaio de milho verde. Finalmente chega-se a Cedro, ponto final. O motorista conquistador leva o último passageiro até a porta de sua casa, ainda puxa uma conversinha, se apresentou e agradeceu todo animado, convidando para um breve retorno.

Fortaleza, 12 de julho de 2002

Roseli
Enviado por Roseli em 11/01/2007
Código do texto: T343467