A Vila São Francisco
A VILA SÃO FRANCISCO
Nuvens de poeira, Sol escaldante, homens e mulheres animadas tagarelando pela rua principal da vila a espera da missa das dez horas do domingo. O sino repica abafando o barburim da multidão. As barracas da feira estão abarrotadas de produtos oriundos de Juazeiro e de Crato; rosários de coco, cachimbos e chupetas de açúcar, pentes de chifres, bonecas de louça, fitas de tafetá, mantilhas de tule, entre outras variedades. E ainda as variadas panelas e alguidar de barro das artesãs do sítio Varas. A vila se agita. O sino dá o último aviso, o povo ordeiro dirige-se à capela, nuvens de incenso no altar, mulheres de cabelos brilhando, solto nos ombros, bem tratados com banha de porco. Meias finas envolvem as pernas cabeludas das mulheres do campo. Mantilhas sobre as cabeças, peça obrigatória para as mulheres assistirem o ato litúrgico. As senhoras da irmandade do Apostolado da Oração tomam seus acentos especiais, cadeiras com espaldar de palhinhas, inicias gravadas na testeira. O padre Alzir, de costas para o público, inicia a celebração rezando em latim. As pessoas não compreendendo o idioma, cochicham sem preconceitos, despreocupadas. As “Filhas de Maria” e as mulheres mais fervorosas debulham o terço enquanto o padre faz exortações na homilia.
Após a missa, gritos de crianças na pia batismal, assustadas com a pancada da água benta despejada nas cabeças com uma caneca aparada numa bacia de ágata. As crianças esgoelam-se ao ser batizadas. Envolvidas nos longos cueiros de algodãozinho e camisas de tricolina bordadas; mijando e suando com o calor escaldante, enchendo-se de brotoejas. E nessa agitação, Marieta mangando das marmotas do povo, se divertindo das bolhas nos pés da comadre Zefa, estropiada dos tropicões nos buracos, com as alpercatas de sola ressequidas que ficara guardada, empoeirada, meses... aguardando um dia de missa dominical na vila.
A feira se anima, as bodegas lotadas de homens riscando os tijolos com as rosetas das esporas; comprando um litro de sal em pedras, café de Baturité em grãos cru, farinha de mandioca, tomando uma bicada de pinga e fumando cigarros de fumo. Mundim Santana, na esquina, tratando dos negócios de gado com seu Tonico. Os animais selados cochilam e babam, amarrados nos balaústres das casas aguardando seu dono para a volta aos sítios.
Contritos, ações cumpridas, retornam às suas moradas com os alforges e os bolsos das caronas abarrotados de mercadorias, de pães quentinhos da padaria de Virgílio Clemente. E a alma leve pelo cumprimento às obrigações cristãs.
Fortaleza 14 de novembro de 2003