96 HORAS

Enfim o dia cinco de janeiro chegou. Data em que havíamos marcado para visitar SAMPA e cumprir a programação combinada.

No aeroporto de Guarulhos, Márcia, a colega Orkut que me indicou o Recanto das Letras e que sempre tem uma palavra elogiosa para o que publico, me aguardava no salão de desembarque.

Conheciamos-nos apenas por fotografias e em todos esses anos que trocamos mensagens e participamos de fóruns ou salas de bate papo tínhamos um esboço do perfil um do outro.

Mas uma coisa é o que pensamos das pessoas, outra bem diferente é a realidade da presença, quando a palavra escrita é substituída pela fala e pelo gestual que, muitas vezes, nega o que dizem as palavras.

E foi assim que Márcia demonstrou toda beleza da sua personalidade.

O riso fácil e a disponibilidade são duas das muitas características marcantes dessa Paulista que, sem me conhecer, abriu sua casa para me hospedar e foi durante todo tempo uma companheira participante e agradabilíssima.

Ônibus, metrô, trem e outro ônibus nos transportaram por mais de duas horas desde o aeroporto até a sua residência. Jantamos e depois de um papinho breve fomos dormir porque no alvorecer da sexta feira, teríamos que ir para Aparecida.

O frio da manhã foi nosso companheiro no ônibus, no trem e no metrô até o terminal rodoviário do Tietê.

A viagem até Aparecida mostra em sequência as paisagens muito bonitas com as montanhas servindo de pano de fundo.

A basílica é imensa, como tudo em São Paulo, em contraste com a minúscula imagem da padroeira do Brasil colocada no nicho dourado, protegida por vidro bem grosso a fim de evitar a ação de iconoclastas que acham que as outras pessoas devem agir e pensar como eles acham que as coisas devem ser.

Como o Vaticano na Itália, Juazeiro do Norte no Ceará ou Fátima em Portugal, em Aparecida se respira religião as vinte e quatro horas do dia. A cidade vive do comércio alimentado pelos peregrinos.

Visitamos as duas basílicas e o memorial dos padres redentoristas.

A chuva torrencial, no melhor estilo do Sudeste, nos acompanhou por um bom tempo no caminho de volta e já perto de casa fomos ao supermercado procurar o vinho que eu pretendia levar na visita que faríamos no dia seguinte.

Jantamos e depois de um papinho breve fomos dormir porque teríamos que sair muito cedo, pois o Guarujá fica longe, muito longe.

Cumprimos a rotina ônibus – trem – metrô e no terminal Jabaquara embarcamos no ônibus para descer para o litoral.

A paisagem da Serra do Mar é deslumbrante com a sequência de montanhas com infinito número de córregos d’água saltando por sobre as rochas.

No Guarujá fomos recepcionados pela consóror Esther Ribeiro Gomes, dona de um jardim maravilhoso (que podia muito bem ser do Éden) onde crescem plantas com muitas flores aonde os pássaros nectarívoros vêm comer em concorrência com as muitas borboletas.

Esther também tem a preocupação de colocar água açucarada para os beija flores rabo de tesoura (Eupetomena macroura) e guriatãs de coqueiro (Coereba flaveola), além de frutas para pássaros de hábito frugívoro.

Esther é tudo aquilo que os seus textos sugerem.

Uma pessoa amável, doce e delicada, que nos recebeu como se recebe um amigo querido e por longo tempo esperado.

Conhecemos sua família e seus cães. Antes do almoço tomamos o vinho que eu havia levado.

Infelizmente não encontrei um dos vinhos produzidos em Pernambuco que são de excelente qualidade para brindarmos o “reencontro”.

Explico: Eu conheço uma pessoa que diz: “quando conhecemos um amigo, em verdade, estamos reencontrando”.

Se for verdade, eu não posso provar, como também não posso contestar, mas o fato de termos passado parte do dia na agradável companhia de Esther, de termos ouvido suas histórias, visto seus cachorros, nos dá a certeza de termos tido contato com uma pessoa maravilhosa que tem o coração enorme como tudo em São Paulo.

Um dos pratos que compunham o almoço era o cuscuz paulista, (receita exclusiva, guardada a sete chaves, mas que ela prometeu mandar para mim) cujo sabor é capaz de botar a perder qualquer regime de emagrecimento.

No domingo fomos ao Jardim Botânico, vimos suas plantas vivas, seu herbário e seus animais de vida livre como a família de Bugios (Alouata pigra) com nove membros.

Andamos sobre uma passarela de madeira, elevada, até a nascente do Riacho Ypiranga.

Para os que amam a natureza e a história pátria é um momento mágico.

Daquele pequeno olho, branco, borbulhante surge o curso d’água em cujas margens, D. Pedro, então príncipe regente, faz a conclamação (que ainda reverbera em nossa mente) para que todos nós brasileiros lutemos por nossa autodeterminação.

Tudo aquilo que estudamos, que lemos, que comentamos, que ensinamos aos outros está ali, tridimensionalizado em nossa frente, com a beleza singela das coisas naturais e a magnificência do passado histórico.

Era humanamente impossível entrar no zoológico. Além da fila imensa tinha gente saindo pelo ladrão. Fomos então ver a feira no bairro da Liberdade.

De lá fomos andar tanquilamente pela Rua Santa Efigênia (vazia no domingo à tarde) para ver o Colégio São Bento (aonde o atual Papa esteve hospedado) e o Viaduto do Chá por sobre o vale do Anhangabaú.

A ameaça de chuva nos levou de volta para a casa.

Na segunda feira dia nove, apesar de ser período de férias escolares, não nos arriscamos a perder o vôo e fomos logo cedo para o aeroporto.

Podíamos ter aproveitado o tempo de sobra para comer pastel no Mercado Municipal, mas o tempo estava ameaçador e podia acontecer algo (como inundação) que não me deixasse chegar a Guarulhos.

Depois de ter passado pelo portão de embarque, senti a dor da saudade por tudo aquilo que ficou para trás e a enorme vontade de ver tudo outra vez.

Apesar da riqueza vocabular da nossa língua ela é pobre para expressar minha gratidão pelo acolhimento que tive além de descrever o prazer de ter tido a oportunidade de conviver, por quatro dias, com uma mulher inteligente, extraordinária.

Na sala de espera do portão de embarque, no avião durante o vôo e agora em minha casa só tenho a solidão por companheira porque Márcia ficou em São Paulo...