A MALETA E AS TRÊS PAREDES

Quando discuto com meus alunos sobre ética costumo iniciar a discussão falando de liberdade. A primeira pergunta que faço é a seguinte: o que é a liberdade para você? As respostas, seja em turmas de nível médio ou superior, são semelhantes: “minha liberdade termina quando começa a do outro”, “é respeito aos direitos do outro”, “é fazer o que gosto”, “e ir para onde quero”. Essas e outras respostas normalmente empolgam os debates. O certo é que a discussão passa obrigatoriamente por dos pólos: o indivíduo e o outro. No primeiro pólo temos que considerar que não faz sentido falar de liberdade sem considerar a realização pessoal. É o exercício da vontade pessoal, é o descarrego do desejo, é a fluência das fantasias, é a extrapolação dos limites e a tentativa de superação das leis naturais. No segundo plano, o pólo social, liberdade é a habilidade de convivência com o outro, é a capacidade de movimentação dentro da complexidade do universo, é a prática de expansão dos próprios desejos sem sobreposição dos mesmos aos desejos alheios. Quando alguém insiste em absolutizar o primeiro pólo acreditando que a liberdade é satisfeita apenas pela impressão pura e simples da individualidade sem considerar o que Aristóteles chama de justa medida, entre o exercício dos meus desejos e o exercício dos desejos dos outros, costumo utilizar duas metáforas. A primeira é a da maleta e a segunda das três paredes.

A MALETA

Seria possível pegar sua liberdade, colocar em uma maleta e viajar para o sol? A primeira observação a respeito dessa pergunta é que liberdade não é algo palpável, mas vivencial, ou seja, ter um conjunto de princípios, ou um grau de conhecimentos ou uma certa quantidade de bens materiais não é o suficiente para o exercício da liberdade; mais do que isso é preciso buscar o ponto de equilíbrio diante das diferentes situações que surgem na vida. A segunda observação é que há um limite natural diante de nós: chegar ao sol. Isso quer dizer que precisamos ter consciência da realidade do universo; há limites intransponíveis, mas estes fazem parte do universo e precisam ser reconhecidos como tais. A terceira observação é sobre a necessidade do outro em nossa vida. Para viajar para o sol eu dependeria sempre do outro, de uma nave, de um agasalho, do fabricante de alimentos e de outros. Em síntese, tenho que ser livre considerando não apenas o meu eu, mas também a natureza, os outros e a minha própria fragilidade.

AS TRÊS PAREDES

A liberdade pode ser representada por uma pessoa que se encontra em uma sala com uma parede as suas costas e outra a sua direta apenas. A sua frente não há nem um obstáculo e à esquerda também não. Há situações em que tenho que recuar e esbarrar na parede traseira, em outras posso avançar a vontade e ir para frente (desejo). O mesmo acontece com a direta e esquerda, avanço e recuo. A liberdade não é apenas o avanço ou o recuo. É também a capacidade mental de saber quando posso ou devo, ou não posso ou não devo avançar ou recuar. Mas também não é apenas saber se posso ou não, ou seja, apenas a consciência do que fazer. É também a habilidade de avançar da forma correta a fim de obter sucesso. Nem sempre se consegue o sucesso no avanço ou no recuo. Entretanto, a capacidade de refazer o caminho também faz parte do cardápio da liberdade. Em suma, liberdade junta basicamente quatro elementos. O desejo de avançar; o ato de avançar (a pratica do desejo), a consciência do poder ou do dever (conhecimento), a habilidade do avanço (responsabilidade) e o refazimento do caminho.

Após mostrar tais elementos costumo encerrar a aula dizendo aos meus alunos que nos encontramos em um limite muito estreito entre a saúde e a doença, entre a sanidade e loucura. O caminho para a o desequilíbrio mental ou para a depressão é tão estreito quanto uma folha de papel. Diante desse tênue limite não há outra alternativa, falando com Sartre, se não sermos livres. Deus, o tempo, a história ou o demônio não nos darão a liberdade. Somos nós os atores principais nessa conquista.