A FLOR E A FONTE
“Deixa-me, fonte!” Dizia
A flor, tonta de terror!
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.
“Deixa-me, deixa-me, fonte!”
Dizia a flor a chorar:
“Eu fui nascida no monte...
Não me leves para o mar”.
Antes de começar a minha humilde crônica, peço licença aos amigos leitores para apresentar aos que não conhecem este poema, uma obra belíssima do nosso “Poeta do Mar” Vicente de Carvalho-(Santos/SP 1866-1924).
É tentando captar a mensagem enviada por esses belíssimos versos e pedindo a proteção de Deus para que, com minhas palavras, não venha causar melindres a quem quer que seja que eu pretendo discorrer sobre um tema velho, já passado e repassado, cantado em versos e prosa por todos nós, mas que continua atual e, como uma chaga cancerosa,destruindo os seres humanos sem que possamos encontrar um remédio eficaz que a faça estacionar: A dependência química.
Em minhas caminhadas encontrei dia desses, logo às primeiras horas da manhã, na orla marítima, uma mamãe que trazia consigo uma pequena barraca de vender cachorro-quente, café e outras guloseimas. Em sua companhia estava um menininho magro, desconsolado, desconfiado e que devido à proximidade dos dois eu suponho ser o filho da referida mulher.
Ela escolheu um lugar e arrumou a sua barraquinha. Quem sabe, ali passaria o dia tentando ganhar alguns trocados para custear a sobrevivência da família.
De repente, o menino tirou de uma sacola um embrulho estranho: uma garrafa, enrolada em um plástico. E começou a cheirar o conteúdo daquela garrafa, que continuava enrolada pelo plástico. Ele fazia isso de uma maneira tão intensa, como se ali estivesse contido o melhor dos perfumes, o mais gostoso dos alimentos.
Eu parei... Estarrecida com o que estava vendo!
Confesso que uma raiva me invadiu de repente. Uma vontade de ir até eles e dizer umas boas àquela mulher; de chamar a polícia, de chamar a Curadoria da Infância e do Adolescente e tantas coisas mais.
Só ficou na vontade... Desisti... Talvez por ser covarde, talvez por me sentir pequena e incapaz de enfrentar uma situação como essa ou simplesmente porque é mais cômodo fechar os olhos e fingir que está tudo bem.
Mas eu pensei naquela mãe. E me coloquei na pele daquela pobre mulher: Com um sacrifício enorme, empurrando o seu carrinho, talvez tenha negociado muito com o seu filho para conseguir levá-lo com ela para o trabalho, mas não tenha tido forças suficientes nem poder de persuasão para demovê-lo daquela idéia de usar entorpecente.
Vi nos olhos daquela mãe a tristeza e a vergonha por saber que os transeuntes passavam e, como eu, olhavam, boquiabertos, para aquela cena deplorável.
Resolvi meditar sobre o assunto imaginando que todos nós nascemos como uma flor:
Puros, inocentes, livres de todas as mazelas que corroem a alma. O tempo passa e nós crescemos, dando curso à natureza, deixando que em nós se faça presente a obra do Criador. De repente, uma coisa qualquer nos tira do nosso rumo: um mau companheiro, um mau pensamento, uma vontade de explorar o desconhecido e pronto: estamos nós a nos desviar do rumo certo, a nos enveredar pelo caminho dos excessos, das paixões desenfreadas, do poder,dos vícios e... Das drogas.
Talvez muitos dos leitores nem queiram ler a minha matéria,pensando que este assunto é muito batido e meio “deprê” como dizem os mais jovens.
Porém, meus amigos, a dependência química é uma realidade a qual não podemos ignorar, fazer de conta que não existe, pois cada dia mais esse terrível mal avança, tomando conta de nossos lares, nossos adultos, nossas crianças.
Apesar de todo o trabalho desenvolvido pelas ONG, por igrejas, por associações beneficentes e por tantas pessoas maravilhosas, o dependente bate sempre de frente com um terrível inimigo: Ele mesmo. A sua fraqueza psicológica, a necessidade que tem o seu organismo de consumir aquele veneno letal, a vergonha e a tristeza por não poder se manter firme ao propósito de não mais consumir a droga, a angústia de ver os seus amigos, um a um, batendo em retirada. No fundo do poço o dependente químico, mesmo que rodeado e amparado por familiares, sente-se completamente sozinho.
“E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria, levando a flor.”
Há aqueles que são verdadeiros heróis. Lutam, sofrem, insistem, buscam com todas as forças e com toda a fé a cura para o seu mal. Amparados por Deus e por amigos e familiares eles, finalmente, conseguem a libertação.
Mas, infelizmente, também há pessoas que apesar de toda luta não conseguem se desvencilhar da correnteza da fonte:
“Ai balanços do meu galho,
Balanços do berço meu;
Ai, claras gotas de orvalho
Caídas do azul do céu!...
Chorava a flor, e gemia
Banca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria
Rolava levando a flor.
Por isso, antes de qualquer opinião desfavorável, qualquer condenação às atitudes daqueles que fazem uso de drogas, devemos ter em nossa consciência a certeza de que esse é, talvez, o mais terrível dos males que afetam a humanidade. É tão terrível que todos os dias dizima centenas de vítimas, mortas pela ingestão da droga, por dívidas contraídas e não honradas ou simplesmente em confronto com traficantes ou com a própria polícia.
Ah! Não pensem que falo apenas de drogas pesadas. Há também as drogas permitidas, As cachaças, as redondas, as quentes, que adentram aos lares das pessoas e vão, com tradição, passando de pais para filhos. Elas também têm um alto poder de destruição. E por serem mais acessíveis, são ainda mais maléficas e merecem uma atenção especial.
Quantas pessoas trazem dentro de si uma alma dilacerada, uma tristeza profunda, uma vida marcada pelas mazelas das drogas?
Quantos sonhos já não foram desfeitos? Quantas ilusões ficaram perdidas? Quantos lares foram destruídos?
Quantos amigos, parentes, entes queridos sucumbiram?
“Adeus sombras das ramadas,
Cantigas do rouxinol;
Ai, festa das madrugadas,
Doçuras do por do sol:
Carícia das brisas leves
Que abrem rasgões ao luar...
Fonte, fonte, não me leves,
Não me leves para o mar!...”
As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...
Portanto, companheiros e companheiras, fiquemos em alerta! Vamos conversar com nossos filhos, nossos amigos, vamos nos envolver nesse assunto difícil e que não pode ser deixado de lado.
Olhemos por nossos meninos e meninas! Não deixemos que os turbilhões da vida os levem por caminhos tortuosos.
Todos nós somos flores!
Portanto, criemos raízes e folhas! Floresçamos onde o Senhor nos plantou!
Que Deus esteja conosco!
Maria do Socorro Domingos dos Santos Silva
João Pessoa,09/01/2012
(Matéria reeditada)