PAPAGAIO COME FRANGO - PERIQUITO LEVA A FAMA
Era véspera da chegada da comitiva da Doutora Eileen procedente da cidade de Cocos e como de praxe, antes da continuidade da viagem para Sítio do Mato, a casa de vó Lindaura era o último ponto de parada para um pequeno descanso. Como sempre era costume, vó Lindaura e Tia Ruth preparavam uma pequena refeição para que a Doutora Eileen e sua comitiva fosse atendida da melhor maneira possível durante a parada.
Já era noite quase no horário de ir para a cama. Para o cardápio principal, tia Ruth preparou um frango cortado em pedaços, bem temperado e assado no forno de lenha. Nossa, aquele cheiro delicioso invadiu as minhas narinas de uma forma tão violenta, que a minha boca ficou cheia de salivas, e em seguida os meus olhos fixaram aqueles pedaços de frangos crocantes na terrina, ainda fumegantes, forrados com cebola verde e coentro, cebola seca e alho. Ai Jesus, que delícia estava aquele frango!
Sem mais cerimônias, vó Lindaura cobriu o frango e o guardou dentro do forno elétrico, muito pouco usado por gastar muita energia por isso não era usado par assar nada, apenas servia de guarda comidas pois era o único lugar na cozinha onde as baratas e ratos não conseguiam penetrar, e, os alimentos ali guardados, estavam bem seguros e livres da depredação destas pragas.
Com aquele cheiro de frango nas minhas narinas e com a boca aguada, fui para a cama dormir o sono dos injustiçados, pois dormir com o desejo de comer, nem que fosse um pedacinho daquele frango,(uma nesga) como diria Tia Elzinha, seria a realização de um pequeno sonho de consumo gastronômico. E foi neste diapasão que naquela noite eu sonhei comendo em um banquete cujo prato principal era aquele franguinho grelhado a passarinho. Foi uma ceia maravilhosa! Em sonho é claro! Mais em sonho valeu a pena. Matei o desejo.
Acordei do meu sonho com os galos cantando e após me levantar e escovar os dentes e lavar o meu rosto, fui para o quintal dos fundos para cortar lenha. Depois de alguns minutos ouvi alguém me chamando com urgência para ir até a cozinha.
Quando cheguei lá deparei -me com uma reunião ao redor do fogão elétrico.Parecia uma CPI ou um Conclave ou uma reunião de pauta. Mas não era nada disto. Ao redor do fogão estavam, vó Lindaura, tia Ruth, Detinha, Sílvia e Sara. Só não estavam presentes as crianças Raquel e Marta. Na mão de vó Lindaura, a terrina. Na terrina havia dois terços de ossos de frangos e um terço do que ainda havia restado daquele frango delicioso.
- Quem foi o descarado que fez uma lazeira desta? Inquiriu vó Linadaura. Daqui a pouco chegará doutora Eileen e não terá nada para comer!
- Eu não fui. Jamais teria coragem de acordar à noite para comer frango! Respondeu Sílvia.
- Eu também não levantei nem pra ir ao banheiro, respondeu Sara.
Olhando para a janela do meu quarto que era baixa e dava acesso diretamente para a cozinha, Detinha deu uma olhada meio de soslaio para a janela e para mim e disse mansamente. – Eu não fui. Mas quem está próximo da cozinha é que tem tudo para fazer esta lazeira.
- Se descarado! Gritou vó Lindaura, se estava com tanta vontade por que não teve a coragem de pedir que eu lhe dava! (Duvido que ela me daria um pedaço) Tentei me defender, mas fui voto vencido. Primeiro desconfiei do jeito de Detinha falar. Suspeitei dela. Ela já tinha antecedentes criminais nesta área. Vou revelar para vocês. Tia Ruth tinha um namorado conhecido por Zé Grande que era uma pessoa bacana e que trabalhava no DERBA. Tinha Ruth quase todo final de semana prepara algumas coisa gostosas para o Zé, e quem levava para o quarto dele no bairro de São Felix era Detinha, que depois de um certo tempo, de combinação com Saulo ia para tamarindeiro, e juntos comiam as delícias preparadas, depois devolviam as vasilhas dizendo que o Zé adorou. Mas diante do sonho que eu tive com o frango, naquele momento, embora não sentisse nem o gosto e nem a sensação de ter comido algo durante o sono, acabei me convencendo de ter cometido o crime da gula.Eu fui acusado por dedução e tirada de corpo fora, de alguém.
Com trabalho reforçado, a refeição da comitiva da doutora Eileen foi restabelecida. E com a alegria de sempre ela chegou, cheia de vida e falante como era de costume. Conversava com todo mundo, brincava com as crianças , às vezes falava em inglês com alguns da sua comitiva.
A doutora Eileen era uma médica missionária da comunidade presbiteriana, natural dos Estados Unidos da América, e, durante a sua gestão em Sítio do Mato à frente da Clínica Evangélica, o índice de mortalidade infantil era praticamente zero. Mesmo sem os equipamentos necessários e modernos de hoje, nem as crianças que nasciam prematuramente morriam. Ela salvava todas elas com improvisação e assistência de até quase vinte e quatro horas acompanhando para ter a certeza de que estariam bem e salvas, as crianças prematuras.
Depois de passados alguns dias da chegada e da partida da comitiva da doutora Eileen, um novo fato agitou a nossa casa. É que Marta, apelidada de Bezinha, e que tinha ido para Santa Maria para se curar de uma bronquite asmática, acordou acometida de uma crise brava de asma. Foi talvez a mais brava de todas. Era noite! Resolvi sair para assinar o meu ponto no jardim Jacaré com os colegas e ao sair, dei uma espiada no quarto do meio e lá estava a Marta na cama, falando com chiado em função da bronquite, Tia Ruth e Vó Lindaura ao redor dela com muita preocupação afinal de contas, o que falariam para tia Esther se algo acontecesse com a Bezinha.
Eu estava contando piadas com os amigos em uma das esquinas do jardim Jacaré, quando Silvia chegou esbaforida gritando – Joãozinho não foi você que comeu o frango! Não fiquei surpreso diante desta revelação. Eu tinha quase certeza de não ter cometido aquele crime de gula. Mas, quem foi? Perguntei. Bom, é melhor narrar os fatos com mais detalhes.
Citei que naquela noite Marta estava acometida de uma asma brava.
Marta era uma criança adorável, mas que não tinha carinho de quase ninguém. Todos os carinhos eram direcionados para Raquel, a criança predileta de Tia Ruth e vó Lindaura. A crise de asma e o medo de Marta bater as botas, levou todo mundo a ficar paparicando a Bezinha e ela, sentindo-se feliz com os carinhos recebidos e cheia de confiança virou para vó Lindaura e fez a seguinte pergunta:
- Vó se eu lhe contar uma coisa a senhora promete que não vai brigar comigo?
- Claro minha filha, pode falar que a vó não vai brigar com você.
- Fui eu que comi o frango naquela noite.
- O Quê sua descarada! Só agora que me conta isto! Só não lhe uns tapas agora porque você está fraca! Rebateu vó Lindaura. O Joãozinho levou a culpa e você ficou calada!
- Fiquei com medo de apanhar. E diante desta revelação é que a Sílvia saiu em disparada para informar-me do ocorrido.
Confesso que até hoje sinto o cheiro daquele frango. Já comi frangos deliciosos! Mas aquele , acho eu que foi o mais delicioso já preparado e que eu só comi em sonho. Eu nunca perdoei a minha querida Marta ( Bezinha), não por ela ter comido o frango e eu levado a culpa. Mas por não ter me convidado para comer o frango junto com ela. Ela foi muito egoísta e corajosa. Levantar na calada da noite para ir até a cozinha, que era aberta, pois tinha um alpendre que dava para o quintal, com gatos andando nos telhados. Como diz o ditado: Quando o estômago ronca, não há fantasma que segura.
Isto Por certo, fez de Marta uma corajosa naquela noite. O fantasma do frango real foi mais forte para ela.
Joãozinho de Dona Rosa