Fábrica de Ilusões
Fábrica de Ilusões
Estamos finalmente vivendo o ano novo. Agora já começamos a pagar para ver as promessas que nós mesmos fizemos atrevidamente para esse ano, que apenas começa, sem ter prometido nada. E para nós brasileiros, assim como no resto do mundo, ele começou com suas manhãs cheias de nuvens escuras, presságios de turbulência e tempestades no cenário econômico, político e social, como sempre. Mas nesse parece vir com mais intensidade a premonição desses abalos. A Europa, nosso sonho de consumo do primeiro mundo, começa a fraquejar as pernas após suportar por tanto tempo a carga de potencialidade de crescimento e desenvolvimento, à exceção é claro, dos americanos que conquistaram um império político e econômico. Mas a exemplo do primeiro, também experimentam uma crise que está abalando não só a economia, mas também o sono de todos que desfrutam os privilégios de viver nas grandes potências mundiais.
Enquanto isso, a América começa finalmente a despertar. O Brasil, assim como muitos países latinos, passa a ser apontado como economia em desenvolvimento, capaz de equilibrar o seu próprio crescimento, devido ao manancial de riquezas que até então não haviam sido bem administradas e que agora parecem ter encontrado o caminho para sua própria sustentação. Sabemos as riquezas que temos, o que não sabemos ainda é o que fazer com elas. Até pouco tempo, eram fontes de barganha para estreitamento de laços. Depois passaram a ser fonte de renda para países exploradores de vantagens, que entraram no ramo dos bens públicos, etiquetados como bens privados dos quais os vendilhões embolsaram o lucro sem o mínimo de consciência por leiloarem em pedacinhos o nosso país. A desculpa sempre foi a ineficácia e má administração dos serviços, além da falta de tecnologia e capacidade técnica dos trabalhadores brasileiros. Pagamos caro para ter finalmente serviços parecidos como aqueles que vemos no primeiro mundo. Mas com isso, encontramos o caminho para hoje sermos considerados um país respeitado pela política econômica e desenvolvimentista, apesar do social e da política serem ainda uma página vergonhosa de nossa história.
E enquanto massageiam nosso ego apontando esse país como referência de estabilidade, nosso solo gentil mais uma vez literalmente desmorona. As águas que a cada ano chegam com mais intensidade, castigam severamente a irresponsabilidade dos nossos administradores, que ignoram as medidas racionais que deveriam ser feitas para evitar as tragédias que a todo ano, desabrigam e matam tantas pessoas. Construções em lugares de risco e planejamentos mal estruturados à beira de córregos e rios em grandes e pequenas cidades, têm sido o pesadelo que consome o sono dos nossos pobres brasileiros e as verbas de ajuda governamental em situações de emergência. Só que não deveria haver situações de emergência após tantas reincidências de situações parecidas nos mesmos lugares. Se há dinheiro para acudir as intempéries, porque não usá-lo numa estruturação digna de moradia, em lugares salubres que há de sobra nesse vasto mundo, que há muito deveriam ter sido revitalizados e reconstruídos com planejamento urbano adequado. Caem os morros, as encostas, o barro enterra vidas e histórias anônimas sucumbem e delas só tomamos conhecimento dos flagrantes de dor pela perda humana e material através da televisão. Daqui a pouco o sol nascerá de novo, as águas irão baixar e as pessoas retornarão para os mesmos barracos improvisados e construções dependuradas à beira de barrancos. E as autoridades fecharão os olhos fingindo que não vêem. A vida recomeça de novo no mesmo ritmo, apenas mais dolorida por uns tempos. Principalmente nos morros, como no Rio, onde enquanto as chuvas caem, a fábrica de fantasias prepara as máscaras e adereços para sair às ruas nos dias de carnaval.
Então o mundo inteiro vai ver na passarela, um povo deslumbrante e feliz, exibindo a riqueza do brilho da purpurina, das plumas e dos paetês, tão falsos quanto o sorriso dos atores que encenam um sorriso de vida maravilhosa que só dura quatro dias. Guardam a tragédia nos morros e num minuto se transformam em personagens da cidade grande, nesse Rio de Janeiro que continua lindo... Assim como o resto do Brasil, enquanto está maquiado.